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Especial China: as transformações urbanas

Na quarta e última reportagem da série especial sobre a China, mostramos as iniciativas e projetos que o governo chinês vem implantando para incentivar o uso de bicicletas como meio de transporte

17 de junho de 2024

Nos últimos anos o governo da China vem investindo em vários projetos e iniciativas urbanas para criar ambientes favoráveis e seguros para ciclistas. O objetivo maior é promover o renascimento da cultura da bicicleta no país, como era até a década de 1990 quando elas eram o principal meio de transporte das famílias chinesas.

“O governo vem nos últimos anos promovendo de várias maneiras a cultura da bicicleta, como melhorar a infraestrutura, criar mais ciclovias, estacionamentos e também com o investimento nos sistemas de compartilhamento, tanto de e-bikes quanto das convencionais, que são uma oportunidade para quem não pode comprar uma bicicleta”, diz Qiu Yang Lu, engenheira de trânsito e representante do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) na China.

De acordo com ela, esse movimento vem acontecendo em muitas cidades do país. A capital Pequim, por exemplo, apresentou um plano abrangente para tornar a cidade mais voltada para o ciclismo até 2035 e iniciou os trabalhos em 2019 implantando ciclofaixas elevadas de 6 metros de largura apenas para bicicletas. A seguir a experiência em três cidades chinesas importantes.

Guangzhou

Em Guangzhou, que tem mais de 15 milhões de habitantes, os esforços se concentraram na melhoria da qualidade e da conectividade das ciclovias. Entre 2021 e 2022, 468 ciclovias foram reformadas na cidade, e mais de 500 quilômetros estão atualmente em reforma desde 2023.

Devido às ruas estreitas da cidade, a expansão das ciclovias depende da redistribuição do espaço viário, retirando espaço de automóveis para ampliar a infraestrutura para ciclistas e pedestres. O plano é construir 6.000 km de vias verdes (greenways, uma combinação de ciclovias, calçadas, parques e playgrounds) até 2025. Além disso, os investimentos na cidade também estão direcionados para a implantação de passarelas para travessias de ciclistas, locais de estacionamento, cruzamentos com segurança e sinalização para bicicletas, além de coordenar com as estações de BRT e metrô para proporcionar mais conexões multimodais para ciclistas e pedestres.

Yichang

Localizada na província de Hubei, no oeste da China, a cidade de Yichang, que tem 1,7 milhão de habitantes, tem se dedicado nos últimos anos na melhoria das instalações para pedestres e ciclistas. Os principais focos são a construção de uma rede de ciclovias e o desenvolvimento de parques e espaços públicos.

Em 2019 a cidade adotou um plano para construir uma malha de 570 km de ciclovias, cobrindo quase 36% da cidade. Um importante corredor para ciclistas foi inaugurado em 2021 e agora liga o movimentado distrito comercial central de Yichang ao popular Parque Yangtze, que foi todo remodelado, proporcionando mudanças significativas em ruas que antes eram apenas para carros. Os planos futuros incluem uma rede de vias verdes de 91 quilômetros para conectar os corredores urbanos de Yichang com ambientes naturais ao redor da cidade, além da construção de mais 110 pequenos parques com múltiplas instalações recreativas.

Tianjin 

Entre as décadas de 1970 e 1990, 90% de todas as viagens na cidade de Tianjin, com 15,6 milhões de habitantes, eram feitas a pé ou de bicicleta. Uma pesquisa de 2015 revelou que a maioria das calçadas no centro de Tianjin eram estreitas e não possuíam ciclovias, criando ambientes inseguros para pedestres e ciclistas. Além disso, o estacionamento ilegal ocupava mais da metade das ciclovias no centro da cidade, comprometendo a acessibilidade e a vitalidade dos bairros.

Apesar do investimento substancial no sistema de metrô, a baixa quantidade de passageiros persistiu devido à falta de conectividade do último quilômetro para pedestres e ciclistas até as estações. Em resposta a esse desafio, foi lançado o Projeto de Melhoria dos Transportes Urbanos de Tianjin, com o objetivo de restaurar a reputação da cidade como uma megacidade habitável e acessível.

Graças a esse projeto, 189 ruas no núcleo urbano da cidade, totalizando 132 quilômetros, foram modernizadas. As melhorias incluíram a reconfiguração do traçado das ruas, repavimentação de faixas para veículos, ciclovias e calçadas. Além disso, a cidade está atualizando as instalações de travessia de pedestres, mobiliário urbano, sinalização, paisagismo, abrigos de ônibus, iluminação pública, ligações de cruzamentos, promovendo infraestruturas urbanas mais resilientes e acessíveis.

O projeto também melhorou o entorno das 96 estações de metrô, adicionando espaços verdes e abertos, ampliando o investimento em caminhadas e ciclismo. Isso resultou, de acordo com dados do ITDP China, em mais de 260.000 viagens diárias a pé e de bicicleta, além de 175.750 viagens adicionais por metrô.

Sistemas de bicicletas compartilhadas 

Os sistemas de compartilhamento de bicicletas, tanto tradicionais quanto bikes elétricas, são um componente chave dessa transformação que a China está buscando. Nos últimos anos, o mundo assistiu com aflição as imagens das milhares de bicicletas abandonadas no início da implantação do sistema dockless (sem estações), porém o país deu um passo para trás, reviu os sistemas e desenvolveu novas tecnologias para deixá-los mais eficientes.

O negócio é tão grande hoje que só a capital Pequim tem 1 milhão de bicicletas compartilhadas, segundo dados do ITDP. A extensa frota nacional conta com 20 milhões dessas bicicletas distribuídas em 360 cidades, que são usadas cerca de 50 milhões de vezes por dia. Para cada viagem de menos de meia hora, paga-se de 1 a 2 yuans (menos de R$ 1,50), dependendo da localização.

Qiu Yang Lu explica que em grandes cidades chinesas como Pequim, Guangzhou e Xangai, quatro grandes operadoras dominam o mercado de compartilhamento de bicicletas: Mobike, Ofo, Didi e Alipay. Estes operadores utilizam tecnologias, como GPS, para gerenciar e organizar o estacionamento das bicicletas sem a necessidade de uma estação física. Os usuários podem ver em seus aplicativos onde podem estacionar e, se não cumprirem as regras de estacionar no local permitido, continuam sendo cobrados pelo sistema.

As bicicletas compartilhadas nessas grandes cidades geralmente operam neste sistema de estação virtual. “Você só precisa colocar sua bicicleta na área designada. Não há outros requisitos rígidos, desde que você estacione nesta área”, esclarece Qiu. Esse sistema reduz os custos operacionais e facilita a gestão das bicicletas.

Enquanto nas grandes cidades os regulamentos são mais rigorosos e visam controlar o número de bicicletas para melhorar o ambiente urbano, nas cidades menores a situação é diferente. Qiu aponta que as bicicletas elétricas compartilhadas são mais populares nessas áreas devido à limitação dos serviços de transporte público. Ela também destaca que as operadoras preferem bicicletas elétricas porque são mais lucrativas, com uma taxa de rotatividade de três a cinco vezes maior que as bicicletas tradicionais.

Experiência de usuária

Qiu Yang Lu usa bicicletas compartilhadas convencionais para ir ao trabalho todos os dias em Pequim. Ela leva 40 minutos para percorrer os nove quilômetros entre sua casa e o escritório, com uma velocidade média de 12 km/h. “É bastante rápido e o trajeto, além de plano, é todo conectado por ciclovias”, diz ela.

Como muitos chineses, Qiu Yang Lu prefere o compartilhamento a ter a sua própria bicicleta. “Posso estacionar a bicicleta compartilhada com facilidade e, se chover, simplesmente deixo-a e uso o transporte público mais próximo.

Ainda há uma série de desafios no caminho da China para atingir suas metas climáticas. Mas o país tem oferecido oportunidades incríveis para o mundo aprender como recuperar o espaço das bicicletas. Para saber mais sobre a China, leia aqui as reportagens anteriores:

O Renascimento do ciclismo urbano 

A evolução do mercado de bicicletas

O boom das bicicletas elétricas

 

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Adriana Marmo

Sou jornalista, formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo na PUC de Campinas, conclusão em 1989. Há oito anos troquei o carro pela bicicleta como meio de transporte e, desde então, sou ativista da causa e me especializei em mobilidade urbana

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