Skip to main content

Especial China: O Renascimento do ciclismo urbano

7 de maio de 2024

Durante as décadas de 1980 e 1990, a China brilhava no mundo como o “Reino das Bicicletas”. Todos os dias, milhões de ciclistas lotavam as ruas das principais cidades do país carregando mercadorias, indo ao trabalho, voltando das compras, levando filhos para a escola. Era o principal meio de transporte da maioria das famílias chinesas.

Para se ter uma ideia, segundo reportagem do jornal China Daily, no início da década de 1990 Pequim tinha mais de 4 milhões de bicicletas, uma média de uma para cada dois moradores da cidade. Os ciclistas ocupavam 76% do espaço das ruas da capital, incluindo os cruzamentos movimentados onde o tráfego podia atingir inacreditáveis 20 mil bicicletas por hora.

E foi justamente da observação desses cruzamentos na China que o termo “massa crítica” acabou dando nome ao evento mais importante do cicloativismo mundial. Foi George Bliss, um construtor de bicicletas estadunidense, que notou que para superar cruzamentos sem semáforo, ciclistas chineses iam se agrupando até formar uma “massa crítica” e então avançar em conjunto.

No livro “Henfil na China – Antes da Coca-Cola”, lançado no Brasil em 1981, há relatos admirados do cartunista Henfil sobre a quantidade gigantesca de bicicletas circulando pelas ruas, de um modo que ele jamais havia visto em sua vida.

Decadência dos pedais

No entanto, o cenário começou a mudar com a influência emergente do Ocidente, o aumento da população urbana e o desenvolvimento econômico acelerado. O uso de bicicletas, ao longo da década de 1990, começa a encolher e isso coincide com o desenvolvimento da indústria automobilística nacional chinesa.

Os automóveis foram tomando o espaço das ciclovias e as ruas passaram a ser modificadas, pelo poder público, para viabilizar cada vez mais a circulação de veículos motorizados. De acordo com um artigo do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), a participação das bicicletas no transporte rodoviário, na China, caiu de 62% em 1986 para 15% em 2014.

As consequências de mais carros nas ruas e os espaços públicos modificados para essa transformação urbana foram congestionamento e poluição. Agora, à medida que os impactos dos combustíveis fósseis e das emissões se tornam um foco para as maiores economias do mundo, a China começa também a reavaliar as últimas duas décadas de estratégias de desenvolvimento, com a mobilidade urbana no centro das atenções.

Novos compromissos

Na década de 2010, para se adequar aos compromissos globais de redução de emissões de carbono, a China estabeleceu metas para as cidades, que começaram a reconhecer a necessidade de adotar uma mobilidade que respeitasse mais o clima para cumprir as suas metas de redução de emissões de poluentes.

O governo chinês tem destacado o transporte sustentável, ativo e acessível como meio para melhorar a qualidade do ar e o ambiente. Conceitos como “viagens de baixo carbono” e “viagens verdes” foram incluídos nas estratégias nacionais do 14º Plano Quinquenal e do Plano de Ação para o Pico de Emissão do Carbono. Estes planos nacionais estabelecem metas para as cidades remodelarem as políticas e infraestruturas urbanas que beneficiem a caminhada, a bicicleta e o transporte público.

Muitas iniciativas estão sendo colocadas em prática – e com bons resultados. Elas contemplam, além de transformações dos espaços urbanos, a construção e adequação de infraestrutura cicloviária, conexão do transporte público com as bicicletas, envolvimento da população e a expansão com planejamento dos sistemas de compartilhamento de bicicletas, entre outras ações.

Pequim, por exemplo, apresentou um plano abrangente para tornar a cidade mais voltada para o ciclismo até 2035 e iniciou os trabalhos em 2019 implantando faixas elevadas de 6 metros de largura apenas para bicicletas. Os resultados já estão aparecendo: de acordo com as análises do ITDP, do total de usuários de bicicletas elétricas na capital chinesa, 23% migraram do carro particular ou por aplicativo. O impacto desta mudança contribuiu para uma redução anual no consumo de combustível de quase 59,86 milhões de litros e uma diminuição estimada nas emissões de CO2 de 240.000 toneladas.

Outro exemplo são os sistemas de bicicletas compartilhadas que, apesar do começo da implantação difícil – quem não se lembra das tristes imagens dos “cemitérios” de bicicleta? -, com mais supervisão a atividade está novamente em expansão. Estima-se que, em todo o país, existam 20 milhões dessas bicicletas em 360 cidades, que são usadas cerca de 50 milhões de vezes por dia.

Há bons exemplos de iniciativas em outras grandes cidades como Cantão, Tianjin e Yichang, assim como as previsões de crescimento para a indústria na bicicleta naquele país e a forte e transformadora presença das elétricas. Estas iniciativas, que mostram o novo momento da China em relação à bicicleta será o tema das próximas reportagens desta série.

Especial China

Esta série de reportagens busca mostrar como a China, que entre as décadas de 1980 e 1990 era reconhecida como o “Reino das Bicicletas”, está investindo em projetos e iniciativas para voltar a incentivar o uso da bicicleta, a caminhada e o transporte público para reduzir os danos ao clima.

As reportagens são feitas a partir de diversas entrevistas, além da pesquisa em artigos e materiais jornalísticos. A galeria abaixo reúne fotos da matéria The Rise and Fall of China’s Cycling Empires:

Para saber mais:

Documentário Return of the scorcher 1992: a cycling renaissance, onde o termo massa crítica surge pela primeira vez

Livro Henfil na China antes da Coca-Cola

 

COMPARTILHE:

Receba nossas novidades por e-mail

Adriana Marmo

Sou jornalista, formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo na PUC de Campinas, conclusão em 1989. Há oito anos troquei o carro pela bicicleta como meio de transporte e, desde então, sou ativista da causa e me especializei em mobilidade urbana

Envie sua mensagem