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Mobilidade nas escolas, o sucesso do bicibus

6 de novembro de 2021

As aulas presenciais foram retomadas oficialmente. Em todo o estado de São Paulo, por exemplo, elas passaram a ser obrigatórias. Após quase 600 dias, ou 19 meses, estudantes estão de volta aos bancos escolares.

O fim do aprendizado remoto é certamente um alívio para crianças e famílias. Mas o transtorno de trânsito, poluição e barulho na entrada e saída das escolas é uma situação que precisa e pode mudar.

Um exemplo importante chamou a atenção do mundo, um vídeo com cerca de 100 crianças pelas ruas de uma cidade européia viralizou recentemente. As imagens mostram um bicibus, mas a iniciativa vai muito além da alegria infantil no caminho até a escola.

Programa de bicibus em Barcelona chama atenção do mundo

Um passeio de bicicleta com um grupo de crianças pelas ruas de Barcelona ganhou o mundo nas últimas semanas. Pelas ruas do bairro de Eixample, bicicletas infantis e patinetes ganham as ruas enquanto adultos fazem a escolta. O barulho do trânsito em uma avenida por onde passam mais de 20.000 automóveis por dia se transforma, vozes infantis substituem o ronco dos motores.

Com quase dois milhões de visualizações no Twitter, o vídeo de Lluís Juncà é emocionante. Em catalão, Lluís resume:

Quarta sexta-feira de reivindicação na forma de #bicibus para ir a escola. As cidades precisam redistribuir o espaço público em favor de pedestres, bicicletas e transporte público.

O que é um bicibus?

Bicibus é uma palavra relativamente nova, formada pela contração das palavras “bicicleta” e “ônibus”. O termo em português aproveita a mesma expressão já consolidada no espanhol e no italiano, por exemplo. 

Trata-se simplesmente de um comboio com crianças em idade escolar que saem de casa e vão para a escola pedalando. A inspiração em ônibus se explica pelo roteiro fixo divulgado previamente. As famílias “embarcam” no passeio em pontos pré-estabelecidos.

As mudanças em Barcelona por conta da pandemia

Nos primeiros momentos da pandemia em 2020, Barcelona registrou uma queda de 80% nos deslocamentos de veículos particulares além de uma diminuição de 95% no número de passageiros do transporte público.

Esse cenário encorajou a administração da cidade a investir na mobilidade a pé e em bicicleta como alternativa sustentável para a população. O conceito central era promover adaptações no espaço público para garantir a segurança de pedestres e ciclistas.

Os investimentos começaram já em setembro de 2020, com a diminuição de casos de covid-19 após a primeira onda. Por toda a cidade, a prefeitura de Barcelona começou a construir calçadas mais largas, restringir a circulação de automóveis e aumentar a rede cicloviária da cidade.

O desafio da volta às aulas na pandemia

Foto: Mireia Boix/Bicibús Eixample

Cidades ao redor do mundo aproveitaram para investir na mobilidade em bicicleta durante a pandemia. A população buscava uma solução econômica para evitar o transporte público e o poder público fez adequações provisórias para garantir a segurança de quem pedala.

Quando chegou a hora das crianças, o desafio de garantir opções seguras para alunos e alunas era ainda maior. O exemplo de Barcelona que viralizou conta como as famílias foram capazes de promover, no presente, uma cidade melhor para seus filhos e filhas.

Mireia Boix, mãe de um menino de 5 anos, foi uma das pioneiras. Ela estava no grupo de cinco famílias que aproveitou a crescente popularidade da bicicleta em Barcelona e passou a pedalar com seu filho para a escola. 

O bicibus de Eixample passa pela rua Entença, endereço de três escolas e com um fluxo de 20.000 carros por dia. Os 25 minutos de pedal nas manhãs de sexta-feira garantem a segurança das crianças e incentivam a criação de infraestrutura permanente para a bicicleta que seja compatível com o uso dos pequenos.

Atualmente Barcelona tem 18 linhas de bicibus organizadas ao redor de diferentes grupos locais. A iniciativa segue crescendo com o envolvimento das crianças, das famílias, das escolas, de organizações da sociedade civil e também do poder público.

Por toda cidade, a cada semana, os bicibus promovem o deslocamento seguro de cerca de 300 crianças que contam com o apoio de 70 adultos. 

Bicicletas nas escolas no Brasil

 

O Rodinha Zero, projeto do Instituto Aro 60, promove a bicicleta dentro dos espaços escolares. O objetivo é bem claro, garantir que ao final do ensino infantil todas as crianças saibam pedalar uma bicicleta sem rodinhas.

Desde 2016, o projeto já atendeu mais de 4.200 crianças Brasil afora. Com uma atuação, “do portão da escola para dentro”, o Rodinha Zero ensina a pedalar e doa as bicicletas usadas nas oficinas de pedal para as escolas participantes. Os veículos acabam se tornando uma ferramenta pedagógica.

Murilo Casagrande, um dos diretores do Instituto, ainda vê muita resistência para que as famílias incorporem a bicicleta com as crianças “do portão para fora”. De maneira geral, as bicicletas são utilizadas com frequência nas aulas de Educação Física, mas iniciativas para que as crianças pedalem nas ruas ainda são incipientes.

A falta de segurança nas ruas é certamente a principal dificuldade para que mais famílias ganhem as ruas. Murilo relembra a história de uma mãe que, no começo do projeto, chegou a ser repreendida por ir pedalando com o filho para escola.

Com a expansão da atuação, o Rodinha Zero tem sido também uma forma de aumentar a participação paterna, com muitos pais que passaram a levar os filhos em suas bicicletas. Para que haja comboios de famílias com crianças nas ruas, Murilo acredita que: “mobilizar pais, mães e professores é o que garante o caminho”.

Pedal para a escola no Reino Unido

O Reino Unido é um exemplo de atuação conjunta do poder público em benefício da mobilidade ativa de crianças. Uma ação da sociedade civil, chamada de semana “De Bicicleta Para a Escola” é um desses esforços. A última edição aconteceu entre 27 de setembro e 01 de outubro de 2021.

A Bike to School Week envolve uma campanha interna de divulgação dentro das escolas e atividades relacionadas à bicicleta no currículo escolar. Um vídeo educativo que ensina o básico sobre a segurança da bicicleta e uma série de apresentações para os alunos completam a ação.

Os resultados vão além da semana e do Reino Unido. As ações de promoção ao uso da bicicleta ajudam a mobilizar a comunidade para pedalar mais e pressionar o poder público para garantir a segurança necessária nas ruas.

Na Irlanda (que deixou de fazer parte do Reino Unido no começo do século XX), as famílias da pequena cidade de Limerick aproveitaram uma nova ciclovia em uma das principais para formar um bicibus. A alegria das crianças é contagiante.

Plano de mobilidade escolar

Responsável pela “Semana de bicicleta para a escola”, a Sustrans produziu um manual para (re)pensar a mobilidade no ambiente escolar. Através do “Plano de mobilidade escolar”, a escola redige uma lista de ações nas quais se compromete a promover os transportes ativos (caminhada, bicicleta, patinete etc) para sua comunidade.

Trata-se de uma oportunidade para que as escolas busquem a excelência, apoiando a saúde, bem-estar e segurança dos alunos. O objetivo do plano é incentivar um aumento consistente e duradouro de viagens ativas, tanto por funcionários, quanto pelas famílias.

No Brasil, duas oportunidades para avançar foram construídas por organizações da sociedade civil. A Transporte Ativo produziu e traduziu uma série de conteúdos de promoção da bicicleta no ambiente escolar. De jogos a conteúdos de apoio pedagógico.

Já o Instituto Aro 60 está com uma chamada para a formação de multiplicadores do Rodinha Zero, a primeira e que tem foco em Macaé (RJ) e região.

Cidades melhores para as crianças

Para que os bicibus se tornem tão comuns quanto vans escolares pelas ruas do Brasil e do mundo, o caminho até a escola ainda precisa melhorar muito. Iniciativas do portão para dentro que promovam a bicicleta internamente, são um primeiro passo. Os benefícios se alastram.

Reduzir as viagens de carro para as escolas em até 30% é uma meta factível. Depende apenas do grau de comprometimento da escola, famílias, crianças, agentes de trânsito e autoridade municipal. 

A pandemia, com as aulas remotas, atrapalhou a difusão de iniciativas do portão para fora, mas a retomada das atividades presenciais é um momento propício para que as crianças possam experimentar as primeiras pedaladas nas ruas. O tamanho da rede de escolas públicas no Brasil ajuda a pensar no impacto gigantesco que políticas públicas em favor da bicicleta dentro do ambiente escolar podem ter.

Com mais de 170 mil escolas, apenas em em 2020 a educação básica no Brasil teve 47,3 milhões de matrículas. Se apenas ¼ das escolas brasileiras tivessem uma frota de 10 bicicletas, seriam milhares de bicicletas vendidas e milhões de novos ciclistas aptos a ganharem as ruas.

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