Skip to main content

Ferramenta de troca de mensagens do Strava reforça um problema mais profundo: a falta de segurança para as mulheres no ciclismo

Por 12 de dezembro de 2023Notícias

Traduzimos o artigo de Michelle Arthurs-Brennan, editora do site Cycling Weekly, sobre a repercussão que o lançamento de DM na plataforma Strava gerou entre as ciclistas e corredoras. Leia aqui o original e a seguir nossa tradução:

Há alguns dias, o Strava – plataforma para ciclistas e corredores – introduziu a troca de mensagens em seu aplicativo. Embora essa novidade tenha sido comemorada por muitos usuários, uma boa parte não ficou contente. Essa parcela é predominantemente feminina e quase unanimemente preocupada com a questão da segurança.

Como a jornalista e corredora Gemma Abbott escreveu no “The Independent”, o único tipo de corredor que se beneficiaria com esse recurso seriam os “homens predadores”.

Eu também tenho um perfil no Strava, mas não fiquei preocupada. Há muito tempo eliminei da minha vida a função de compartilhamento de viagens do Strava e ajustei a minha configuração de privacidade para que as atividades possam ser visualizadas “apenas por mim”. Fiz essa alteração porque, como vítima de assédio contínuo, estava preocupada com a minha segurança.

As respostas dentro da redação da Cycling Weekly foram semelhantes. A redatora de tecnologia Hannah Bussey me disse: “Não sou uma usuária ativa do Strava desde o momento em que fui abordada em um passeio por um cara aleatório que me ‘reconheceu’ pelo aplicativo. O alarme disparou! Fui para casa, reforcei minhas configurações de segurança, mas a preocupação sempre esteve à espreita. Então deixei o aplicativo acumular poeira.”

As respostas das usuárias ao anúncio dos novos recursos do Strava no perfil do Instagram, incluíram frases como “uma pena que o Strava não tem uma única mulher em sua equipe de desenvolvimento para dizer a eles que esta é uma péssima ideia”, “o recurso que nenhuma mulher queria”, e “apenas mais uma plataforma onde os homens podem enviar nudes não solicitados e agir de forma inadequada com as mulheres”.

Existem dois tópicos principais nesta conversa: o fato de as mulheres não se sentirem seguras quando se exercitam ao ar livre e o fato de as mulheres não se sentirem seguras existindo online. O problema para o Strava é que ele é o terreno fértil perfeito para combinar os dois de uma forma que pode, para muitas mulheres, elevar o nível de ansiedade, que pode ser facilmente evitado simplesmente saindo do aplicativo.

‘Não é seguro’ fazer exercícios sozinha

Não é novidade que a insegurança impede as mulheres de serem ativas, especialmente em esportes solo e baseados em resistência. A campanha “This Girl Can”, da Sport England, descobriu que 60% das mulheres se preocupam com o risco de assédio sexual ou intimidação e 48% preferem não se exercitar ao ar livre durante a noite.

Dentro do ciclismo, existem inúmeros exemplos e em várias escalas de gravidade. Eles começam com casos que vão desde gritar obscenidades pela janela do carro até ataques violentos, como a experiência a que foi submetida Jennifer George, campeã do circuito nacional [no Reino Unido]. Ela foi perseguida por dois homens em uma moto, em Surrey, perto de Londres. Depois de fugir da perseguição, ela conseguiu se refugiar no estacionamento de um café. “Eles roubaram o meu lugar de felicidade”, disse ela à Cycling Weekly.

O fato de o Strava ser um aplicativo que permite aos usuários fazer upload de passeios e corridas, muitos dos quais são realizados sozinhos, e também de mostrar rotas e rotinas habituais, é claramente uma preocupação para as usuárias que temem o assédio.

Em resposta, o Strava introduziu uma série de recursos de privacidade, apesar de ser daqueles que o próprio usuário precisa ativar e que, infelizmente, nos removem de alguns dos recursos divertidos do aplicativo. Fiquei um pouco triste, por exemplo, por não poder reivindicar o QOM (Rainha da Montanha) numa subida local que trabalhei arduamente para conquistar, porque o meu perfil privado significa que não posso aparecer em fóruns de atividades públicas. Porém, troquei a glória pela paz de espírito!

Embora o Strava tenha a responsabilidade absoluta de garantir que a sua configuração de privacidade seja infalível, o maior problema em torno das mulheres que se sentem inseguras quando se exercitam sozinhas não é um “problema do Strava”. Da mesma forma que a linha telefônica ‘888’ foi concluída como uma solução pouco segura. A proposta foi criada após o estupro e assassinato de Sarah Everard e pretendia fazer com que as mulheres se sentissem mais seguras quando caminhavam para casa, rastreando-as através do GPS do telefone. Em relação à violência contra as mulheres, qualquer coisa que o Strava faça é como prender um cadeado de plástico de 10 libras a uma bicicleta de 10 mil libras, na esperança de criar alguma forma de evitar o roubo.

Não é ‘seguro’ existir online

A segunda parte desta conversa gira em torno do policiamento das redes sociais, um tema que está sendo considerado no parlamento do Reino Unido como parte da sua Lei de Segurança Online, que imputará às próprias plataformas a responsabilidade de remover material prejudicial.

O projeto de lei também forçará as plataformas de algumas categorias de serviços a remover conteúdo que seja proibido pelos seus próprios termos e condições. No caso do Strava, conteúdo que seja “ameaçador, assediante, abusivo, odioso, discriminatório ou que defenda a violência” ou “sexualmente obsceno”.

Nunca sofri assédio via Strava. No entanto, sofri assédio sexual e violento através do Twitter, Instagram, Facebook e YouTube, todos com políticas contra conteúdos nocivos. Isto não é de forma alguma estatisticamente uma exceção – um relatório publicado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) concluiu que 73% das jornalistas entrevistadas sofreram violência online, com 25% das mensagens que receberam ameaçando violência física e 18% ameaçando violência sexual. Uma pesquisa YouGov com 4.000 mulheres e meninas, liderada por uma professora de direito da Universidade Aberta Olga Jurasz, descobriu que 15% das mulheres e meninas na Inglaterra sofreram violência online.

Policiar isso é uma tarefa gigantesca. No entanto, é uma tarefa que alguém precisa realizar.

Se o projeto de lei for aprovado, todas as plataformas de mídia social precisarão tomar medidas drásticas para policiar os usuários que geram suas receitas. Quanto ao assédio ao ar livre, este é um problema que preocupa muito o Strava, mas é obviamente muito maior do que um único aplicativo.

O que tudo isso significa para o Strava?

Questionado sobre a seriedade com que o Strava leva a privacidade e a segurança de seus usuários, um porta-voz disse: “No Strava, a privacidade e a segurança dos atletas são uma prioridade máxima. Nossos padrões estabelecem a necessidade de respeito mútuo e nossas políticas reforçam essa expectativa, inclusive proibindo assédio, intimidação e conteúdo abusivo no Strava. Levamos as denúncias de abuso a sério, elas são todas investigadas e os culpados podem ser banidos da plataforma.

Em relação à sua nova função de mensagens, acrescentaram: “Incorporamos mecanismos robustos de bloqueio e filtragem para sinalizar ou bloquear mensagens abusivas ou de assédio dentro da nossa plataforma. Os atletas podem bloquear indivíduos, impedindo a comunicação direta a partir dessas contas.”

O Strava é uma comunidade global, apreciada por membros em mais de 190 países, que concede quase 10 bilhões de ‘kudos’ por ano. Para muitas pessoas, o Strava agrega uma dimensão divertida, social e competitiva à sua experiência de exercícios físicos.

Infelizmente, esse não é o caso para todos. Como disse a minha colega Hannah: “O Strava deve ser um espaço onde todos possam compartilhar a alegria da conquista, mas, infelizmente, como muitas mulheres testemunharam, a única forma de manter a mente e o corpo protegidos das incômodas mensagens não solicitadas é simplesmente não participar.”

O Strava tem a responsabilidade de garantir que os controles de privacidade sejam rígidos e que as políticas sobre abuso e assédio sejam respeitadas. No entanto, a raiz do problema está longe de ser um problema do Strava, é um problema da sociedade e que uma parte da população precisa resolver. Infelizmente, neste momento, parece que o lado errado está sendo forçado a agir.

COMPARTILHE:
Aliança Bike

Criada em 2003 e formalizada em 2009, a Aliança Bike tem como missão principal fortalecer a economia da bicicleta, além de trabalhar para que mais pessoas pedalem no Brasil. A entidade atua em diversas frentes de trabalho para atingir os objetivos. Conta com mais de 180 associados entre fabricantes, montadores, importadores, distribuidores e lojistas.

Envie sua mensagem