A jornada de um desenvolvedor de produtos no universo do ciclismo
Batemos um papo com Luiz Carlos Bringel, que desenvolve bicicletas para a Oggi e inova na geração das elétricas
A bicicleta sempre esteve presente na vida de Luiz Carlos Bringel, atual responsável pelo desenvolvimento de produtos da Oggi Bikes. Ele começou a pedalar na infância e na adolescência, quando ganhou sua primeira Caloi 10, despertou o interesse pelo funcionamento daquela máquina.
“Eu usava a bike, desmontava e montava de novo, e acabava tendo de levar em uma loja para regular até entender um pouco como isso funcionava. Até que comecei eu mesmo a regular a bike”, conta Bringel, que, por volta dos 18 anos, entrou na faculdade de Engenharia e logo conseguiu seu primeiro estágio, na Ducor, que na época pertencia ao Grupo Caloi.
Estagiando na Ducor, Bringel passou a ter contato com toda a cadeia produtiva de uma bike, desde a compra da matéria prima até a entrega final do produto. Assim que se formou, foi transferido para a Caloi para acompanhar uma consultoria contratada pelo Grupo para a implementação do Just In Time, um processo de técnicas industriais japonesas.
A ida para a Caloi foi em 1991 e dois anos depois o engenheiro já fazia sua primeira viagem internacional a trabalho para Taiwan, para conferir as novidades do mercado de bicicletas na Taipei Cycle, feira de bikes e componentes high-end que até hoje movimenta o mercado.
Depois de 20 anos na Caloi, Bringel trocou de emprego e foi para a Oggi, onde vem desenvolvendo as novas gerações de bicicletas, inclusive no segmento de elétricas e de autopropelidos. Confira a seguir o nosso bate-papo com Luiz Carlos Bringel, em que ele conta como é o seu trabalho de desenvolvedor de produtos do universo ciclístico.
Como era desenvolver bikes para o mercado brasileiro lá no início de sua carreira, no começo dos anos 1990?
Naquela época, buscamos informações e novas tecnologias e inovações nas feiras internacionais para usarmos com criatividade e diferenciação para a marca Caloi com o melhor custo-benefício. Na época, a Caloi era referência no mercado brasileiro e as pessoas esperavam novidades em relação às novas linhas de bikes, era uma obrigação da marca estar sempre inovando no mercado brasileiro.
Em sua longa carreira como desenvolvedor, quais produtos ou linhas você destaca e que têm a sua digital por trás? Quais criações mais o orgulham?
Como responsável pelo desenvolvimento, participava de todos os novos projetos, desde a concepção da ideia proveniente de alguma novidade ou de uma oportunidade de mercado. Das criações que me orgulham, vamos começar pela linha infantil Hot Wheels, com o tanque que imitava o de uma moto e o acelerador fazia o barulho de uma moto, e a molecada ficava doida, mas os pais não gostavam muito (risos). Na linha da Barbie, criamos uma cesta com um coração que a menina podia retirar e usar como bolsa, e tivemos ainda que colocar na bike de aro 16 porque as meninas maiores também queriam a bolsa. Tem também os quadros e bikes de aluminio Caloi 100.
Lembro de um projeto bem legal que foi a nossa primeira aro 29, de nome Two Niner, que mudava tudo o que tínhamos de referência e informações sobre uma bike, pois até o momento o nosso maior modelo era a de aro 26. Tivemos de rever conceitos do standover, altura do movimento central, para termos uma bike aro 29 confiável e com uma boa dirigibilidade e manobrabilidade. Lembro que fizemos vários protótipos até chegarmos no protótipo final para testes por alguns corredores da equipe da Caloi e depois enviamos para uma revista para o teste final. Devido à bicicleta de aro 29 ter uma frente mais alta do que a de 26, tivemos que fazer uma leve curva no tubo superior do quadro, ficando um pouco diferente, estranho, do que tínhamos de costume, para favorecer o standover na nova bike 29”.
Considerando os últimos 40 anos do nosso mercado, os desafios para desenvolver uma bicicleta nacional nos anos 80 e 90 são os mesmos dos dias atuais?
Para cada época tínhamos desafios específicos, como a falta de alguma matéria prima em função da escala do mercado local, como, por exemplo, na época uma liga de alumínio 7000 para termos um quadro de alumínio no padrão das grandes marcas internacionais. Nos dias atuais, as inovações são mais rápidas, os grandes players de componentes disputam uma fatia de mercado. Assim, a cada momento você recebe informações de uma nova linha de componentes com uma nova tecnologia, materiais mais leves. Como fabricantes de bikes, precisamos estar atentos a isso para criarmos a melhor bike dentro da velocidade de inovações e opções existentes no mercado, com um nível de detalhamento maior no processo de especificação de componentes na criação da bike, e com criatividade para termos alguma diferenciação das outras marcas internacionais e locais.
O que mudou? Consumidores hoje estão mais preocupados e atentos ao produto?
Com a facilidade e a quantidade de informações existentes, hoje temos um consumidor que entende de bike e sabe o que quer na bike. Ele pesquisa muito sobre todos os detalhes como geometria, componentes e preços antes da decisão de compra. Ele é altamente exigente em todos os aspectos, como a garantia das bikes e de seus componentes, sobre problemas da marca relatados nos sites de informações e o atendimento pós-venda, até a decisão de compra.
Como é desenvolver uma bicicleta em um mercado que se tornou altamente globalizado?
Neste quesito tivemos uma grande evolução. Hoje temos acesso a todas as novidades e inovações ao mesmo tempo das grandes marcas de bike, com os mesmos fornecedores disponíveis para todos os componentes da bike. Assim, cabe a cada marca desenvolver seus diferenciais com criatividade e valorizar isso para se tornar uma marca de bike desejada pelo consumidor.
É possível ter criatividade e inovação no mercado nacional ou o que vem de marcas globais de bikes e componentes acaba ditando todas as tendências?
Grandes inovações vêm dos grandes fabricantes de componentes, como a linha de 12 velocidades, as alavancas e câmbios sem fios (wireless) e os câmbios automáticos. Cabe a nós usarmos essas inovações nas nossas bikes combinando com um quadro mais leve e com a melhor geometria para cada categoria de bike a ser desenvolvida, e com a melhor combinação dos outros componentes.
Como você e sua equipe buscam inspirações para desenvolver novas bikes?
Somos inspirados em desafios, em busca constante de aperfeiçoamento e na constância de propósitos com as informações de tendências provenientes dos grandes fabricantes de componentes. Já estamos trabalhando nas nossas novas linhas de bikes com essas novidades. Isso nos inspira e nos mantém motivados e criativos, principalmente por sabermos que podemos sempre melhorar em algum ponto.
Qual o peso das feiras internacionais para isso?
Hoje, essas feiras nos balizam para termos um nível de assertividade maior sobre o que optamos por fazer e desenvolver. Mas como temos informações sobre algumas novidades antes da realização das feiras, tentamos nos antecipar para que nossas linhas de produtos cheguem ao mercado ao mesmo tempo em que as novidades são apresentadas nas feiras.
Existem publicações, estudos, fontes que vocês monitoram para avaliar tendências e oportunidades?
Temos sites que constantemente colocam informações sobre determinados assuntos envolvendo bikes, mas temos de analisar e entender o que podemos tirar disso como uma possível tendência ou oportunidade e o que é somente uma fumaça que aparece e logo some.
Desenvolver bikes elétricas ainda é uma curva de aprendizado nova e interessante para você?
No começo tivemos uma demanda de tempo maior para entendermos todas as variações de uma e-bike em relação a uma bike normal devido à inclusão de itens específicos como motor, central ou de cubo, bateria, nova relação de peso e a distribuição disso para tirarmos o maior proveito nessa assistência gerada pelo motor elétrico. Termos uma boa performance e autonomia é, como sempre, um rico aprendizado nas evoluções das nossas bikes.
O que foi preciso aprender, ou reaprender, no desenvolvimento das bikes elétricas e quais são os pontos mais desafiadores nesse processo?
O ponto mais desafiador é termos uma bike com uma excelente relação de peso, torque e autonomia para tirarmos o melhor de uma e-bike, para cada vez mais cativar mais adeptos no mundo das e-bikes.
Vocês acabaram de lançar uma linha de autopropelidos com uma pegada bem urbana. O que motivou a criação da linha StreetGo?
A nossa motivação é fazer com que mais pessoas tenham acesso à mobilidade sustentável. Sabemos que uma boa parcela dos brasileiros perdem muito tempo em transportes públicos e no trânsito. Assim, nasceu a nossa linha StreetGo para atender essa necessidade, de uma linha direcionada para a mobilidade e o deslocamento urbano, podendo ainda ser usada para ir ao trabalho e até usá-la para trabalhar, com a ajuda da expansão das ciclovias para incentivar o uso das bikes, das e-bikes e das StreetGo.
André