Trilhos abandonados em ciclovias: Parque Linear em Caçador (SC) promove cultura, mobilidade e lazer
Um exemplo interessante e que traz um precedente importante: no interior de Santa Catarina, os moradores de Caçador – cidade com 73 mil habitantes e uma história que se mistura com os trilhos do trem – estão aproveitando as primeiras semanas de inauguração do Parque Linear de Caçador, um espaço de lazer e mobilidade que segue paralelo ao trilho do trem e ao Rio Caçador e que entregou revitalizações em antigas estações, bolsões verdes e ruas do entorno.
Trata-se de um precedente importante uma vez que a Prefeitura de Caçador (SC) conseguiu todas as autorizações, ao longo de 10 anos, para que a requalificação pudesse ser feita. Para sair do papel foi preciso buscar autorizações e cessões junto à concessionária dos trilhos abandonados, junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para uso da faixa de domínio e também do IPHAN para recuperação de pontilhões e estações históricas.
“O trem é o motivo de Caçador ter nascido como cidade e essa cultura sempre esteve presente na nossa comunidade. Mesmo quando os trilhos estavam sem manutenção, ai de quem pensasse em mexer na estrutura secular”, brinca Alexandre Schermach, Presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano do município – IPPUC.
A ideia nasceu lá atrás, em meados de 2010, quando o IPPUC, uma autarquia da Prefeitura de Caçador, apresentou a proposta para realocação de famílias que ocupavam uma área federal no território. Em 2017, foi iniciado o projeto já com novos escopos pela gestão do Prefeito Saulo Sperotto (PSDB), deram início também às autorizações e licitações, em andamento até hoje.
De início a ideia foi recebida com algumas reticências pela população da cidade, com questionamentos sobre a priorização do investimento. Mas já no período de obras, Alexandre explica que essa percepção mudou e que a população do entorno começou a fazer uso dos pequenos trechos que iam sendo construídos.
Dos 9 km previstos para esta implantação, 4,5 km já estão inaugurados contando com iluminação, sinalização, pintura, paisagismo e o mais importante, com o entorno integrado. “Essa foi uma preocupação nossa, de agregar o que e quem já estava ali”. Nesse sentido, o projeto endereçou algumas demandas importantes, a principal delas é a questão fundiária e de moradia; já foram reassentadas 125 famílias que antes estavam ocupando de forma irregular os terrenos ao longo do leito ferroviário”. Ainda faltam 15 famílias terminarem o processo para que a área seja 100% desocupada por moradias irregulares.
O pertencimento simbólico também foi algo que direcionou o projeto do Parque Linear como um todo e para tanto foram reformadas estações antigas do trem. Os espaços passaram a ser usados como centros de cultura e lazer. Um parênteses nessa história é a estação Rio Caçador, que foi reproduzida em um novo espaço aos moldes do tempo em que o trem ainda passava por lá, antes de um incêndio que comprometeu a estrutura da estação em 1941.
Os trilhos ainda são fonte de inspiração para projetos mais inovadores e criativos e Alexandre, com sua capacidade de abraçar o mundo, criou um protótipo para que, aos finais de semana, um carrinho-bicicleta permita que as pessoas passeiem pelo trilho do trem com ou sem um acompanhante. “A ideia, a exemplo do que já é feito fora do Brasil, é proporcionar uma experiência de pedal para pessoas com deficiência. Outra ideia que estamos investindo é na construção de um vagão palco que nós pudéssemos usar para apresentações teatrais ao longo do trilho do trem”.
As iniciativas inspiram e dão vontade de ir mais longe. Daniel Guth, Diretor Executivo da Aliança Bike, perguntou a Alexandre qual a chance do projeto crescer ainda mais, avançando o perímetro do município de Caçador e ainda conectando-se a outras cidades da região. Alexandre respondeu que o cenário é promissor e que tem sido comum o diálogo com as cidades vizinhas para que projetos similares avancem na região e, quem sabe um dia, esses parques se conectam de alguma forma.
Para a Aliança Bike, o projeto bem sucedido do Parque Linear de Caçador é um exemplo do potencial que o projeto trilhos em trilhas têm junto ao Governo Federal, que na iniciativa de Caçador se mostrou disposto e concedeu a autorização de uso do entorno do trilho – no caso de Caçador também sob concessão da Rumo que detêm a operação dos trilhos.
Desde o ano passado, a Aliança Bike, Rede Trilhas e outros parceiros vêm articulando o uso de trilhos abandonados por todo o Brasil para viabilizar uma política pública nacional de trilhos transformados em trilhas, corredores ecológicos e rotas de cicloturismo.