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Por que grandes empresas de fora do setor de bicicletas (quase) sempre falham ao entrar nesse mercado?

26 de setembro de 2024

Por: Rick Vosper (Tradução: Lucas Bicudo)

Hora do Quiz: o que essas marcas de automóveis têm em comum? Jeep, Mercedes, Tesla, Porsche, Peugeot, Ford, Volkswagen, Audi, Hummer, Toyota, Skoda, BMW e GM. (Certamente existem outras, mas essas são as mais fáceis de encontrar).

E as marcas de motocicletas? Harley-Davidson, Ducati, Yamaha e Triumph. (Novamente, há mais por aí).

Se você respondeu que “todas elas lançaram ou anunciaram suas próprias linhas de bicicletas elétricas”, você está parcialmente certo. Mas a resposta que procurávamos era: “todas elas lançaram ou anunciaram suas próprias linhas de e-bikes, e todas falharam” (ou estão prestes a falhar).

Afinal, estamos falando de grandes empresas internacionais, com departamentos de engenharia colossais e orçamentos de marketing maiores do que o faturamento anual da maioria das marcas de bicicletas. Elas claramente demonstraram interesse em incluir e-bikes em suas linhas de veículos elétricos. No entanto, até agora, o sucesso real dessas investidas está em zero por cento.

Alguns podem dizer que a indústria de bicicletas não é lucrativa o suficiente para atrair o interesse genuíno dessas montadoras, e que os anúncios de e-bikes são mais táticas de marketing do que empreendimentos comerciais sérios.

E pode ser que estejam certos. Mas a margem de lucro bruto média de 16 montadoras globais é de apenas 6,1%, o que não é muito diferente do que as marcas de bicicletas apresentavam antes da pandemia. Se não estão realmente interessadas no mercado de e-bikes, então por que isso?

A resposta reside no próprio mercado de bicicletas, em todos os seus segmentos (varejo especializado, esportivo, de massa e direto ao consumidor), que é simplesmente muito peculiar, fechado e, francamente, estranho para se alinhar às práticas de negócios típicas de grandes empresas de bens de consumo. Em outras palavras, o choque cultural é grande demais. Ou, ainda, eles simplesmente não entendem o mercado de bicicletas.

E não se trata apenas de e-bikes.

O choque de culturas

No geral, o histórico de grandes empresas que tentam entrar no mercado de bicicletas tem sido desastroso. No ano passado, já foi discutido sobre o fracasso das e-bikes de marcas de lojas de bicicletas vendidas em concessionárias de esportes motorizados. O choque de culturas ocorre nos dois lados. Os clientes de esportes motorizados não demonstram grande interesse por e-bikes, especialmente as de alto padrão vindas de lojas especializadas, vendidas em concessionárias. E, para ser justo, os vendedores dessas lojas costumam estar muito mais interessados em vender uma lancha de R$ 150.000 ou uma moto do que uma e-bike de R$ 25.000.

Mas a verdade é que, com raras exceções, pouquíssimas grandes empresas de fora do setor de bicicletas conseguiram sucesso ao entrar nele, de qualquer forma.

A primeira e mais importante dessas exceções é a Pon, que recentemente (começando na Europa em 2011) começou a adquirir e operar marcas de bicicletas. Suas linhas agora incluem Cannondale, GT, Santa Cruz, Gazelle e Cervélo, além de Schwinn e outras marcas de mercado de massa, além de algumas marcas europeias como Kalkhoff.

Outra exceção é a Scott, uma gigante de artigos esportivos cuja marca de bicicletas tem se mantido moderadamente bem-sucedida por mais de duas décadas, tanto nos EUA quanto na Europa. Além disso, várias empresas de pneus competem no mercado de ciclismo há muito tempo. Uma marca conhecida, Goodyear, voltou ao mercado de bicicletas em 2018, após um acordo de licenciamento.

Contudo, o histórico geral de grandes empresas externas entrando no setor de bicicletas continua problemático. Pense nas dezenas de fundos de investimento que tentaram revitalizar marcas que enfrentavam dificuldades, apenas para vendê-las alguns anos depois e partir para a próxima “oportunidade de ouro”. Um exemplo clássico é a ressurreição da Schwinn após a falência e a sequência de donos mal-sucedidos, até sua eventual compra pela Dorel (que reposicionou a Schwinn como uma marca de mercado de massa) e, mais tarde, pela Pon.

Uma pequena lição de história

Dois motivos pelos quais o mercado de bicicletas é único e não apenas um subsetor dos esportes ao ar livre ou de artigos esportivos: somos relativamente pequenos e bastante peculiares.

De tempos em tempos, uma gigante corporativa com um talão de cheques maior do que toda a receita bruta da nossa indústria decide entrar e nos mostrar como se faz. E, alguns anos depois, sai de cena com o rabo entre as pernas, após uma dura conversa com seu departamento de contabilidade.

O caso clássico desse excesso de confiança corporativa foi com a Nike. A empresa investiu no mercado de bicicletas não uma, nem duas, mas três vezes, entre o final dos anos 80 e meados dos anos 2000. E falhou em todas.

Na primeira tentativa, trouxeram inovações como o fechamento de velcro nos sapatos de ciclismo. Mas também colocaram o fecho bem em cima do grande nervo que passa pelo arco do pé (mais tarde, Dino Signore, da Sidi, corrigiu isso). Os executivos da Nike voltaram para Beaverton para lamber suas feridas e fingir que nada havia acontecido.

Na segunda tentativa, em 1991, lançaram uma nova linha de sapatos e trouxeram o campeão mundial John Tomac como garoto-propaganda. Os sapatos melhoraram, mas nem Tomac — o único ciclista a ser campeão nacional dos EUA em BMX, mountain bike e estrada — conseguiu ajudar na distribuição. Mesma história.

Na terceira tentativa, sem rodeios, a Nike se aliou a Lance Armstrong e investiu em uma campanha multimilionária e premiada, que passou durante o Tour de France por anos, com a distribuição de seus produtos sendo feita pela Trek. Mesmo assim, a Nike não conseguiu causar impacto no mercado de bicicletas dos EUA e foi superada por empresas que poderia comprar facilmente.

Se você não consegue vencer com esse tipo de poder de fogo, talvez seja hora de simplesmente ir para casa. E foi o que eles fizeram.

Agora, vamos fazer uma pausa, caro leitor, para considerar a magnitude inacreditável do que a Nike conseguiu realizar aqui. Ou não conseguiu, como é o caso. Lembra daquele ditado sobre não levar uma faca para um tiroteio? Bem, isso é como levar uma arma para uma briga de facas. Ou talvez um arsenal nuclear tático inteiro. E perder mesmo assim.

Se você não consegue vencer uma briga com armas desse calibre, talvez o problema não seja você, ou as armas, mas a natureza da briga.

Tudo isso nos traz de volta ao influxo contínuo de bicicletas elétricas com marcas de automóveis e motocicletas. São grandes empresas, de alto nível, com recursos para fazer bons produtos e a força de marketing necessária para competir em um setor lotado.

E eu prevejo que todas elas vão fracassar. Assim como a Nike e tantas outras já fracassaram.

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Confira o artigo original e na íntegra acessando este link.

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Aliança Bike

Criada em 2003 e formalizada em 2009, a Aliança Bike tem como missão principal fortalecer a economia da bicicleta, além de trabalhar para que mais pessoas pedalem no Brasil. A entidade atua em diversas frentes de trabalho para atingir os objetivos. Conta com mais de 180 associados entre fabricantes, montadores, importadores, distribuidores e lojistas.

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