Por João Lacerda
28 de agosto de 2021
No mundo inteiro a demanda por bicicletas explodiu e a concentração de fornecedores no sudeste asiático se transformou em um desafio global para o mercado. Os custos de importação de bicicletas e componentes aumentou de maneira exponencial e segue crescendo. No Brasil, Estados Unidos ou Europa, a realidade é a mesma, adequar o planejamento de compras em um horizonte de incertezas.
Para os brasileiros, no entanto, importar bicicletas e componentes tem desafios extras. É preciso lidar com a desvalorização do real frente ao dólar, além de se adequar aos reajustes praticados pelos fornecedores na Ásia e o aumento do preço dos contêineres. Isso apenas para fazer as mercadorias chegarem aos portos brasileiros.
Os modelos de frete para importação de bicicletas e componentes
Três siglas ajudam a começar a explicar o desafio logístico das importadoras brasileiras, EXW, FOB e CIF. Cada uma define o modelo de frete praticado para fazer chegar os produtos da fábrica ao distribuidor.
A modalidade EXW, o Ex Works, é o “preço em porta de fábrica”. O comprador é responsável por pegar a mercadoria no local estabelecido pelo fabricante e tem toda a responsabilidade de transporte.
O FOB (Free on board), ou “livre a bordo”, divide um pouco mais as responsabilidades. Quem vende entrega os bens em um porto específico, escolhido pelo comprador na hora do fechamento do contrato. A partir daquele ponto, os custos e riscos pela entrega passam a ser de responsabilidade do comprador.
Já quando o contrato de entrega é no modelo CIF (Cost, Insurance and Freight), significa que o “custo, seguro e frete” são de responsabilidade do vendedor. Essa modalidade é a mais comum na compra realizada por pessoas físicas.
Bicicletas pelo dobro do preço no Brasil
Consumidores brasileiros podem ter dificuldade de entender o motivo das bicicletas serem tão caras no Brasil. Uma das explicações é justamente o modelo de cobrança de impostos dos produtos importados.
Seja qual for o tipo de contrato de envio, os custos de frete são sempre incorporados no cálculo dos impostos a serem pagos. O dinheiro investido na compra das bicicletas se soma ao valor do frete para então ser adicionado o percentual de impostos.
Na prática, bicicletas, componentes e acessórios acabam pagando 100% do valor de compra no exterior, apenas para chegar ao Brasil. Com a soma dos custos de frete dentro do Brasil, outros impostos, custos operacionais e margem de lucro, temos uma das bicicletas mais caras do mundo.
Como a pandemia impactou a importação de bicicletas e componentes
Fábricas tiveram de suspender suas operações em diversos países asiáticos, tudo para tentar diminuir os contágios pelo covid-19. Com o retorno das operações, os pedidos atrasados por conta dos dias parados se somaram a um aumento global de pedidos.
O crescimento das vendas, por si só, já seria suficiente para sufocar a capacidade das fábricas. Com o aumento de pedidos, nem mesmo turnos extras foram suficientes para atender a nova demanda.
Ainda num horizonte de muita incerteza, as fabricantes na Ásia têm investido de maneira racional para fabricar mais bicicletas componentes. Mesmo assim, sem nenhuma garantia de tranquilidade.
A Shimano está investindo ¥ 20 bilhões (R$ 951 milhões) em uma nova fábrica em Singapura e na expansão da produção doméstica no Japão. Já a taiwanesa Giant, investiu US$ 48 milhões (R$ 251 milhões) em uma nova unidade fabril no Vietnã, país que recentemente teve que fechar seus portos por conta da variante delta.
Como importadores brasileiros estão lidando com a pandemia
Os custos de envio de um contêiner da Ásia até o Brasil subiram exponencialmente desde 2020. Até julho do ano passado era possível, por exemplo, contratar um contêiner de 40 pés de Xangai até Santos por cerca de US$ 1.000. Um ano depois e o valor já está chegando aos US$ 20.000. Com possíveis taxas extras e a eventual indisponibilidade de espaço para novos pedidos.
A Lev trabalha com 100% da sua linha de bicicletas vindo direto da China para as lojas próprias do Brasil. O controle sobre todo o processo, dos trâmites alfandegários no país de origem, até a venda final ao consumidor, ajudam a controlar custos.
Como é normal no mercado, os pedidos são feitos com antecedência e uma vez por mês os containers chegam ao Brasil. O problema é que a cada novo pedido fechado, o custo com o container aumenta exponencialmente.
Aneliza Lima, CFO da Lev, conta que antes pagavam US$ 6 mil pelo contêiner, o valor subiu para US$ 9 mil, depois US$ 12 mil. No último pedido, o valor já estava em US$ 14 mil e agora estão esperando um aumento para US$ 20 mil. Além do preço pelo contêiner, ainda tiveram que lidar com fechamento de portos, reflexo das medidas de restrição contra a covid-19 e suas variantes.
Para não repassar 100% do aumento de custos, fizeram um programa de redução de custos. Já para lidar com a variação do dólar, utilizam derivativos para “travar o preço” quando a cotação está mais favorável.
Desde 1994 como parceiro da Scott, Giancarlo Clini já se acostumou a lidar com diversas variações cambiais e oscilação de preços de frete. O momento atual, no entanto, é completamente diferente. Os custos logísticos não param de subir e impactam diretamente no preço final ao consumidor. Além disso, foi preciso antecipar de maneira nunca vista o calendário.
Os pedidos de importação eram sempre feitos para a fábrica na China com cerca de 6 meses de antecedência. Agora, já operam com um planejamento de mais de 2 anos. Todos os pedidos para 2023 já foram feitos e também os do primeiro semestre de 2024.
Com tanto tempo de antecedência, o planejamento precisa ser conservador, com um crescimento no número de pedidos feito com base no histórico. O desafio da fábrica já é outro, distribuir igualitariamente os números de pedidos do mundo inteiro, respeitando a capacidade de produção.
Caminhos futuros para importadores
O mercado de bicicletas global vai demorar ainda alguns anos para se adaptar aos efeitos da pandemia. Será preciso investir na readequação da capacidade produtiva em uma escala global.
Fabricantes com operação na Ásia estão atentas às demandas de mercado, mas o aumento na capacidade leva tempo e não será feito de maneira atabalhoada. Outra solução encontrar é a nacionalização cada vez maior da produção.
A Lev, que sempre foi importadora, tem buscado fornecedores locais para algumas peças e, no médio prazo, tem planos de nacionalizar a montagem das suas bicicletas.
Na Europa, já está a pleno vapor na Romênia a construção da maior fábrica de bicicletas do continente. A operação irá suprir as encomendas da rede varejista francesa Decathlon no continente.
Além disso, fabricação européia de bicicletas e componentes para bicicletas elétricas são também uma tendência acelerada pela pandemia.
Agradecimentos
O Bicicleta News Especial é uma iniciativa da Aliança Bike com o apoio do Itaú Unibanco.
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