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Especial China: a evolução do mercado de bicicletas

Segunda reportagem da série especial sobre a China explora o aprimoramento da indústria de bicicletas chinesa e seus desdobramentos no mercado interno e global

23 de maio de 2024

Fonte da imagem: Bike Europe

A bicicleta está em destaque na China. Para se adequar aos compromissos globais de redução de emissões de carbono, a partir de 2010, o país entendeu  a necessidade de adotar uma mobilidade que respeitasse o clima para cumprir as suas metas de redução de emissões de poluentes. O governo passou então a investir em uma série de projetos e iniciativas para voltar a estimular o uso da bicicleta, que já foi um dos principais meios de locomoção do país.

Além de transformações urbanas, investimento em sistemas de compartilhamento, o mercado de bicicletas local também está passando por grandes mudanças. É este o tema da segunda reportagem desta série sobre a China. Aqui você lê a primeira.

Made in China

A indústria de bicicletas da China vem passando por grandes transformações. A começar pelo investimento em tecnologia que tem mudado a percepção mundial de um país que fabricava apenas produtos de baixa qualidade. O páis continental viveu os desafios pós-pandemia de uma maneira diferente e, ao contrário do resto do mundo, não precisou lidar com um alto nível de estoques, pois conseguiu transferir a sua distribuição para o próspero mercado local, que está em momento de puro encantamento com as bicicletas de lazer e esportivas, com destaque para as de estrada. A China também dá os primeiros sinais de recuperação do setor com um aumento de 13,7% nas exportações no primeiro trimestre de 2024.

De acordo com a Associação de Bicicletas da China, o país produziu 48,83 milhões de bicicletas, além de 50,35 milhões de e-bikes em 2023 ( incluindo aqui a versão de e-bike com acelerador, amplamente utilizada localmente). No primeiro trimestre deste ano, os fabricantes de bicicletas chineses venderam 7,31 milhões de unidades, um aumento de 15% em relação ao ano anterior.

Fonte da imagem: Bike Europe

Por muito tempo, “made in China” era sinônimo de produtos piratas, baratos e de baixa qualidade. Mas, ao longo dos últimos anos, este cenário mudou profundamente, especialmente com o investimento na produção e o know-how tecnológico. Isso ficou evidente durante a última China Cycle Show, que aconteceu no começo de maio em Xangai. A feira, que reuniu 170 mil visitantes e 1.500 expositores, tem sido um evento de fornecimento para o mercado de baixo a médio porte durante anos, porém a atualização da indústria tornou a China um local interessante de fornecimento de bicicletas e e-bikes de melhor qualidade e com preços mais elevados. A categoria low-end ainda está presente, mas não tão dominante como no passado.

“Antes a China dividia o share com outros players como Índia e Taiwan, sendo que a primeira competia com itens de entrada e o segundo com os topo de linha (high end). Atualmente, os produtos de entrada chineses ficaram mais caros devido ao aumento da regulamentação das leis trabalhistas e ambientais, porém os produtos indianos continuam os mesmo de 20 anos atrás, com pouca tecnologia, somente de entrada e de menor qualidade. Em relação aos produtos oriundos de Taiwan, os chineses começaram a competir em qualidade e com melhor preço. Cada vez mais a China está fabricando produtos iguais ou próximos aos taiwaneses”, explica Rodrigo Pinto, do Grupo JPP, que mantém relações comerciais e frequenta a China há mais de 25 anos.

Willian Andó, CEO da Julio Andó, distribuidora e importadora paranaense, percebeu a mudança chinesa de uma maneira muito rápida. “Praticamente de um ano para o outro todos os nossos fornecedores tinham fábricas novas e automatizadas. E, ao mesmo tempo, vi as bicicletas de grandes marcas na linha de produção. A mão de obra chinesa se especializou e já não é barata [como antes]”, conta ele.

Expansão interna

Embora não existam ainda dados que comprovem a tendência, há uma história que retrata muito bem a situação do consumidor chinês, que hoje busca qualidade e produtos ligados à recreação e ao esporte, especialmente as bicicletas de estrada. Logo depois que a Giant lançou a TCR, uma road e de ponta, vendida no varejo por € 9.700 durante a Taipei Cycle Show 2024, a empresa recebeu mais de 40 mil pedidos de clientes chineses. A Giant também começou a enviar outras bicicletas para a China para atender à demanda local, que foram inicialmente feitas para o mercado norte-americano.

Fonte da imagem: Bike Europe

Para Marcelo Ribeiro, da Dream Bike, que desde 2012 frequenta a China e onde desenvolve, junto a indústrias locais, projetos especiais e exclusivos para sua empresa, a mudança no mercado interno está muito relacionada ao comportamento dos compradores internacionais. “A China sempre ofereceu produtos com qualidade e preço de A a Z. A maioria viajava ao país e escolhia o pior. O mesmo acontecia com o mercado interno. Os compradores perceberam isso, assim como os próprios chineses, que passaram também a desejar mais qualidade”, afirma.

Seguindo os passos do boom das bicicletas de estrada, espera-se que outras categorias também ganhem popularidade. Com o aumento do número de ciclistas recreativos, a China Cycle Show já mostrou sinais do surgimento de uma cultura do ciclismo próspera com produtos correspondentes, como capacetes, sapatilhas, camisas, bolsas e até produtos divertidos, como meias estampadas e campainhas, que não estavam em exposição em anos anteriores.

Conforme explicou Qiu Yang Lu, representante do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) na China, em entrevista à Aliança Bike, a China vive uma situação curiosa atualmente, onde as bicicletas convencionais (de características mais para uso esportivo ou lazer) são menos acessíveis para a maioria da população chinesa do que as e-bikes, utilizadas majoritariamente como meio de transporte.

Beijing 2017 – ChinaDaily

Contudo, de acordo com Qiu Yang Lu, como agora a maioria da população vive nas cidades, há um contingente maior de pessoas que podem pagar mais caro pelas bicicletas de recreação e esportivas e, por essa razão, suas vendas estão crescendo acentuadamente nos últimos anos. “Ainda assim os chineses preferem usar as e-bikes e os sistemas de bicicletas compartilhadas para fazer os deslocamentos diários. É mais barato, prático e rápido”, conclui.

Brasil e China: uma relação de peso 

A relação comercial entre o Brasil e a China é absolutamente estratégica considerando o setor de bicicletas. Para dar uma dimensão da relação, em 2020 a China foi responsável por 64% de todos os componentes de bicicletas que o Brasil importou; em 2021 saltou para 68%; em 2022 recuou para 60% e, em 2023, alcançou 58% de tudo o que importamos de componentes para a montagem de bicicletas – ou seja, 126 milhões de dólares somente no ano passado.

Os dados são do Boletim Técnico de Importação e Exportação de Bicicletas e Componentes (2024), produzido pela Aliança Bike (aqui você acessa o boletim). Importante ressaltar que as atividades de importação no ano passado continuaram a registrar baixas. Uma possibilidade para esse comportamento é a diminuição das vendas no país, associada a um aumento dos estoques nas empresas.

Esta série de reportagens busca mostrar como a China, que entre as décadas de 1980 e 1990 era reconhecida como o “Reino das Bicicletas”, está investindo em projetos e iniciativas para voltar a incentivar o uso da bicicleta, a caminhada e o transporte público para reduzir os danos ao clima. As reportagens são feitas a partir de diversas entrevistas, além da pesquisa em artigos e materiais jornalísticos. Na próxima reportagem, você vai conhecer os projetos de transformações urbanas que estão sendo implantados no país.

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Adriana Marmo

Sou jornalista, formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo na PUC de Campinas, conclusão em 1989. Há oito anos troquei o carro pela bicicleta como meio de transporte e, desde então, sou ativista da causa e me especializei em mobilidade urbana

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