Especial China: a evolução do mercado de bicicletas
Fonte da imagem: Bike Europe
A bicicleta está em destaque na China. Para se adequar aos compromissos globais de redução de emissões de carbono, a partir de 2010, o país entendeu a necessidade de adotar uma mobilidade que respeitasse o clima para cumprir as suas metas de redução de emissões de poluentes. O governo passou então a investir em uma série de projetos e iniciativas para voltar a estimular o uso da bicicleta, que já foi um dos principais meios de locomoção do país.
Além de transformações urbanas, investimento em sistemas de compartilhamento, o mercado de bicicletas local também está passando por grandes mudanças. É este o tema da segunda reportagem desta série sobre a China. Aqui você lê a primeira.
Made in China
A indústria de bicicletas da China vem passando por grandes transformações. A começar pelo investimento em tecnologia que tem mudado a percepção mundial de um país que fabricava apenas produtos de baixa qualidade. O páis continental viveu os desafios pós-pandemia de uma maneira diferente e, ao contrário do resto do mundo, não precisou lidar com um alto nível de estoques, pois conseguiu transferir a sua distribuição para o próspero mercado local, que está em momento de puro encantamento com as bicicletas de lazer e esportivas, com destaque para as de estrada. A China também dá os primeiros sinais de recuperação do setor com um aumento de 13,7% nas exportações no primeiro trimestre de 2024.
De acordo com a Associação de Bicicletas da China, o país produziu 48,83 milhões de bicicletas, além de 50,35 milhões de e-bikes em 2023 ( incluindo aqui a versão de e-bike com acelerador, amplamente utilizada localmente). No primeiro trimestre deste ano, os fabricantes de bicicletas chineses venderam 7,31 milhões de unidades, um aumento de 15% em relação ao ano anterior.
Por muito tempo, “made in China” era sinônimo de produtos piratas, baratos e de baixa qualidade. Mas, ao longo dos últimos anos, este cenário mudou profundamente, especialmente com o investimento na produção e o know-how tecnológico. Isso ficou evidente durante a última China Cycle Show, que aconteceu no começo de maio em Xangai. A feira, que reuniu 170 mil visitantes e 1.500 expositores, tem sido um evento de fornecimento para o mercado de baixo a médio porte durante anos, porém a atualização da indústria tornou a China um local interessante de fornecimento de bicicletas e e-bikes de melhor qualidade e com preços mais elevados. A categoria low-end ainda está presente, mas não tão dominante como no passado.
“Antes a China dividia o share com outros players como Índia e Taiwan, sendo que a primeira competia com itens de entrada e o segundo com os topo de linha (high end). Atualmente, os produtos de entrada chineses ficaram mais caros devido ao aumento da regulamentação das leis trabalhistas e ambientais, porém os produtos indianos continuam os mesmo de 20 anos atrás, com pouca tecnologia, somente de entrada e de menor qualidade. Em relação aos produtos oriundos de Taiwan, os chineses começaram a competir em qualidade e com melhor preço. Cada vez mais a China está fabricando produtos iguais ou próximos aos taiwaneses”, explica Rodrigo Pinto, do Grupo JPP, que mantém relações comerciais e frequenta a China há mais de 25 anos.
Willian Andó, CEO da Julio Andó, distribuidora e importadora paranaense, percebeu a mudança chinesa de uma maneira muito rápida. “Praticamente de um ano para o outro todos os nossos fornecedores tinham fábricas novas e automatizadas. E, ao mesmo tempo, vi as bicicletas de grandes marcas na linha de produção. A mão de obra chinesa se especializou e já não é barata [como antes]”, conta ele.
Expansão interna
Embora não existam ainda dados que comprovem a tendência, há uma história que retrata muito bem a situação do consumidor chinês, que hoje busca qualidade e produtos ligados à recreação e ao esporte, especialmente as bicicletas de estrada. Logo depois que a Giant lançou a TCR, uma road e de ponta, vendida no varejo por € 9.700 durante a Taipei Cycle Show 2024, a empresa recebeu mais de 40 mil pedidos de clientes chineses. A Giant também começou a enviar outras bicicletas para a China para atender à demanda local, que foram inicialmente feitas para o mercado norte-americano.
Para Marcelo Ribeiro, da Dream Bike, que desde 2012 frequenta a China e onde desenvolve, junto a indústrias locais, projetos especiais e exclusivos para sua empresa, a mudança no mercado interno está muito relacionada ao comportamento dos compradores internacionais. “A China sempre ofereceu produtos com qualidade e preço de A a Z. A maioria viajava ao país e escolhia o pior. O mesmo acontecia com o mercado interno. Os compradores perceberam isso, assim como os próprios chineses, que passaram também a desejar mais qualidade”, afirma.
Seguindo os passos do boom das bicicletas de estrada, espera-se que outras categorias também ganhem popularidade. Com o aumento do número de ciclistas recreativos, a China Cycle Show já mostrou sinais do surgimento de uma cultura do ciclismo próspera com produtos correspondentes, como capacetes, sapatilhas, camisas, bolsas e até produtos divertidos, como meias estampadas e campainhas, que não estavam em exposição em anos anteriores.
Conforme explicou Qiu Yang Lu, representante do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) na China, em entrevista à Aliança Bike, a China vive uma situação curiosa atualmente, onde as bicicletas convencionais (de características mais para uso esportivo ou lazer) são menos acessíveis para a maioria da população chinesa do que as e-bikes, utilizadas majoritariamente como meio de transporte.
Contudo, de acordo com Qiu Yang Lu, como agora a maioria da população vive nas cidades, há um contingente maior de pessoas que podem pagar mais caro pelas bicicletas de recreação e esportivas e, por essa razão, suas vendas estão crescendo acentuadamente nos últimos anos. “Ainda assim os chineses preferem usar as e-bikes e os sistemas de bicicletas compartilhadas para fazer os deslocamentos diários. É mais barato, prático e rápido”, conclui.
Brasil e China: uma relação de peso
A relação comercial entre o Brasil e a China é absolutamente estratégica considerando o setor de bicicletas. Para dar uma dimensão da relação, em 2020 a China foi responsável por 64% de todos os componentes de bicicletas que o Brasil importou; em 2021 saltou para 68%; em 2022 recuou para 60% e, em 2023, alcançou 58% de tudo o que importamos de componentes para a montagem de bicicletas – ou seja, 126 milhões de dólares somente no ano passado.
Os dados são do Boletim Técnico de Importação e Exportação de Bicicletas e Componentes (2024), produzido pela Aliança Bike (aqui você acessa o boletim). Importante ressaltar que as atividades de importação no ano passado continuaram a registrar baixas. Uma possibilidade para esse comportamento é a diminuição das vendas no país, associada a um aumento dos estoques nas empresas.
Esta série de reportagens busca mostrar como a China, que entre as décadas de 1980 e 1990 era reconhecida como o “Reino das Bicicletas”, está investindo em projetos e iniciativas para voltar a incentivar o uso da bicicleta, a caminhada e o transporte público para reduzir os danos ao clima. As reportagens são feitas a partir de diversas entrevistas, além da pesquisa em artigos e materiais jornalísticos. Na próxima reportagem, você vai conhecer os projetos de transformações urbanas que estão sendo implantados no país.
Gostei muito da material. Parabéns.
Muito bom
Bom dia, gostaria de vender aqui no Brasil.