“Sem ídolos, o ciclismo brasileiro nunca será grande”
Depois de uma primeira experiência frustrante com o ciclismo profissional, a Soul decidiu investir na formação de jovens talentos como aposta para fomentar o esporte no país. Em 2024, a marca de bicicletas catarinense injetou um grande ânimo do mercado com a criação do Soul Jovem, um projeto que vai levar 10 jovens talentos para se desenvolverem na Europa. A seletiva reuniu centenas de garotos e garotas movidas pelo sonho de um dia correrem na Elite Mundial.
O CEO da Soul Cycles, Andre Souto Maior, conversou com a Aliança Bike sobre os bastidores desta iniciativa, a visão da marca e o propósito de consolidar essa conexão com o ciclismo internacional para a criação de novos ídolos do esporte.
CONFIRA OS DEZ SELECIONADOS SOUL JOVEM
Amanda Kunkel (@amandakunkel)
Ana Carolina Ribeiro (@carol.riibeiro)
Ana Paula Finco (@paula_finco)
Carol Ferreira (@carolinaferreiracyc)
Luiz Fernando (@luizfernando_cyclist)
Luiza Souza (@luuiza._.souza)
Matheus Franciscon (@matheus.franciscon)
Vitor Manzo (@vitormanzo_)
Vitor Pompeu (@vitor_pompeu05)
Willian Cardeli (@william_cardeli)
A conversa rendeu um podcast que será publicado na íntegra em colaboração com o Gregario Cycling nesta sexta-feira (19/12). O treinador Ronaldo Martinelli, podcaster da Gregario e integrante do Soul Jovem, também participou do bate-papo. Os principais pontos estão resumidos abaixo. Confira.
Aliança Bike: Vamos começar pelo encontro com o Claudio Diegues. Foi nessa mesma época do ano passado. A parceria com a equipe de Santos foi o ponto de partida da Soul Jovem?
Andre Souto Maior: O Claudio esteve aqui, acho que foi dia 3 ou 4 de janeiro. Ele tinha falado com o [Gustavo] Zorzo ano passado. Eles tinham marcado e até foi assim, eu tinha esquecido. Eu não coloquei na agenda. Eu estava na empresa e o Zorzo falou, o Claudio está aqui. Falei, que Claudio? (risos). Daí ele entrou, nós ficamos conversando por umas seis horas consecutivas.
AB: Só isso?
AM: Só isso (risos). Ele veio trazer o projeto para a gente patrocinar a equipe Santos. Daí ele contou toda a história da carreira dele, da Memorial, como é que era. E também da experiência na Bélgica.
Eu espero que outras marcas possam ter iniciativas parecidas, porque é só assim que a gente vai fazer crescer. Sozinho a gente não vai conseguir muita coisa. Se mais gente fizer, eu acho que a gente consegue mais.
Ronaldo Martinelli: Você conhecia o Claudio? Tinha conhecimento do cenário das equipes de performance no Brasil?
AM: Eu não conhecia o Claudio. Fui parceiro da Funvic entre 2014 e 2016. Eu sou muito novo no mercado de bike. A Soul começou lá em 2010 e estou desde o início como o único sócio investidor. Na época, os outros sócios entraram com a parte do trabalho. Depois em 2013, 2014, eu fiquei sozinho na operação. Na época, o saudoso João Paulo Diniz [o empresário morreu em 2022], que era muito apaixonado por ciclismo, queria entrar de sócio. E entrou. Ele, logo no começo, trouxe o projeto da Funvic. A família dele era sócia do Carrefour, que também queria patrocinar o ciclismo. Foi um projeto legal, porque eles andaram correndo prova na Europa. Nós ganhamos, vamos dizer assim, três títulos nacionais. Foi ali, na verdade, que eu conheci esse mundo da performance. Depois eu me afastei porque a equipe Funvic teve problemas de doping. Foi um colapso grande, né? E aí a gente resolveu sair por achar que o ciclismo brasileiro estava com muita coisa nesse sentido.
AB: Isso criou um calo, né, André? Que você precisou curar para poder voltar de novo a sonhar com isso e apoiar Santos?
AM: Na verdade, a gente começou a pensar, eu comecei a pensar: quero trabalhar com a base para a gente tentar orientar a garotada. Começamos com um projeto só de Mountain Bike, que é o projeto do Valmor [Hausmann], como a gente chama. Ele é ex-atleta, é funcionário da Soul e a gente tem essa parceria. Iniciamos com crianças de 13, 14 anos, a galera já está aí com 19 e tal. E temos uma jovem promessa que é o Vini [Vinicius Howe], que foi campeão brasileiro, foi campeão pan-americano. Então, eu e o Zorzo, que é meu braço direito, é meu engenheiro, é o cara que conhece de bike. Eu tento só escutar ele falar para aprender um pouquinho. A gente conversa muito sobre o ciclismo, e eu falava muito assim, cara, você vê o ciclismo lá fora, olha o Van der Poel, o Van Aert, os caras começam a temporada lá no ciclocross, então eles estão se preparando muito em corrida. O nível dos caras fica cada vez mais alto, e aqui no Brasil a gente não tem corrida, são 2, 3 que disputam. Precisamos correr lá fora. Mas como é que a gente vai fazer isso? A gente não conhece, não tem os caminhos. Aí chegamos de novo no Claudio. Quando ele contou toda a história da Memorial, das meninas na Bélgica, foi onde acendeu essa ideia. Expliquei que eu queria botar o Vini lá fora, e aí ele me orientou como fazer. Em três meses, a diferença era enorme no desempenho rendimento dele. Mas não estava legal. E eu falava com o Claudio em montarmos algo nosso. Para ele, era algo de médio prazo. Só que eu tive insisti que não dava para esperar e, em julho, demos início.
Esse não é um projeto de um ano. Para mim, é para a vida toda.
RM: Mas ele chegou com o projeto da equipe ou ele já tinha já o Soul Jovem já prontinho ali, detalhado?
AM: Não, quando ele chegou em janeiro era só a equipe de Santos. Ele contou da Bélgica, mas não tínhamos ideia de como fazer ou como não fazer. O Soul Jovem surgiu desse conhecimento dele e da minha vontade em colocar o Vini nesse cenário. Eu tinha a certeza que isso seria bom para o nosso crescimento. Tanto pelo volume de prova quanto pelo volume de atletas bons. Aqui no MTB, o Vinicius corria uma prova, eram dois que brigavam. Era ele com o Bravinho, tá certo? Uma hora um ganhava, outra hora outro ganhava. Mas aquela coisa, só os dois. Lá tem 50 andando. E eu sabia que precisava ser diferente do que a maioria aqui faz. Vão na Europa correr três, quatro etapas e voltam. Não dá resultado. A gente viu o resultado do Avancini. E se a gente for ver o histórico, o Avancini foi pra Europa. Por isso eu disse ao Claudio. Esse não é um projeto de um ano. Para mim, é para a vida toda. Só para completar, eu aceitei patrocinar Santos em janeiro porque quando ele trouxe o negócio que tinha tido da Bélgica, eu cresci o olho. Eu falei, cara, ele tem o caminho que a gente imagina que pode funcionar. Porque se fosse só o projeto daqui do Brasil, não era uma coisa que me agradava muito.
Ver essa foto no Instagram
AB: E foi tudo muito rápido. Janeiro vocês conversaram e, no Shimano Fest, agora no início do segundo semestre, vocês já colocaram o projeto em prática. Começaram a receber inúmeros talentos, currículos, e deram uma chacoalhada no mercado, né?
AM: Não sei do ponto de vista do mercado da indústria da bicicleta, mas sem dúvida no cenário do desejo dos ciclistas jovens, né? De poder sonhar com essa experiência internacional, de se formatar. E até o Ronaldo pode falar isso com mais propriedade também.
Acho que a gente, como marca do mercado de bicicleta, tem que fazer todo o esforço para realmente criar ídolos. Como? Eles têm que andar bem no cenário internacional.
AB: Mas como personagem importante do mercado nacional, como você enxerga esse movimento para indústria?
AM: Hoje o mercado, não só brasileiro, o mercado mundial de bike está em crise. É Global. Experimentamos uma ressaca pós-pandemia e vimos o mercado diminuir. Todo mundo sabia que iria cair, mas ninguém imaginava que estaríamos pior do que era antes da pandemia. E como vai melhorar? Não vai ser de uma hora para outra. Acho que vai voltar aos poucos, devagarzinho. A gente sabe que o mercado de bicicleta é pequeno, né? Mas eu fui mordido por esse bichinho. Pelo bichinho do pedal. E fiquei apaixonado. Se a gente gosta do ciclismo e quer que o ciclismo cresça, temos que apoiar ações para isso. Quando olhamos um pouco para trás, lembrar do Ayrton Senna no automobilismo, do Guga no tênis. Do próprio Avancini, tudo que ele trouxe. A gente não pode ficar sem ídolos no esporte, entendeu? Acho que a gente, como marca do mercado de bicicleta, tem que fazer todo o esforço para realmente criar ídolos. Como é que a gente vai fazer ídolos? Eles têm que andar bem no cenário internacional. A gente quer ver um ciclista brasileiro andando bem, ganhando pelo menos uma etapa de um Tour de France. A gente sabe que ganhar o Tour é muito… Mas ganhar uma etapa? Já pensou a gente ganhar uma etapa do Tour de France? Ganhar uma prova clássica, ganhar uma Olimpíada? Entendeu? Então eu acho isso. E a gente tem que fazer. E como eu disse, se a gente não cuidar da base, não começar pelos jovens e tentar forçar, nós não vamos conseguir. Então por isso que eu acho mais importante até do que patrocinar eventualmente uma equipe profissional, é começar com essa galera. E se chegar uma outra equipe, ver os meninos andarem e quiserem contratar? Deixa eles irem! Até, quem sabe, criarmos condições por nós mesmos termos uma equipe internacional. Só que isso demanda. Não sei se é um esforço que a Soul consegue fazer sozinha. Vai precisar de outros investidores. Mas, talvez o próprio resultado do projeto vai ajudar a trazer outras empresas de outros segmentos, certo? Quem sabe um banco grande, uma empresa de telefonia. É um sonho que a gente tem que começar para tentar realizar. A gente deu esse primeiro passo, estamos nessa direção.
RM: Acho que vale também, Leandro, a gente falar do quanto o projeto tem a preocupação com o profissionalismo. Então, quando a gente fala de profissional, diz respeito não só aos atletas, mas diz respeito a todo mundo que está em volta, inclusive as famílias. Não adianta só a gente profissionalizar o atleta. Então, a gente tem hoje uma empresa brasileira que está investindo num projeto de profissionalização do sistema. Então, eles entenderem a diferença que é pegar a sua bicicleta e fazer um rachão com os amigos e você ter o comprometimento de estar dentro de uma equipe, dentro de um projeto, ter um planejamento de treinamento. Você ter alguém que está cuidando de você 24 horas. É tudo que está sendo desenvolvido. E boa parte do dinheiro que está sendo gasto nesse projeto é nesse caminho.
AB: André, o Ronaldo falou de orçamento, quantos zeros tem o cheque que você está assinando para esse projeto anual?
AM: Assim, se a gente contabilizar tudo, porque o projeto começou, então, como o Ronaldo estava falando, até abri um parênteses, a minha parte mesmo no projeto é investimento. Toda essa parte profissional está a cargo do Cláudio Diegues, do Ronaldo, do Zorzo. A gente fez o trainning camp lá em São Carlos, e eu fui lá, fiquei dois dias ali com eles. Até eu fiquei de boca aberta, falei que os caras são bons mesmo. Foram oito dias lá, com 40 ciclistas. Mais toda a equipe por trás ali, do treinamento, das palestras, então, acho que tinha mais de 60 pessoas. Hospedagem a semana inteira, alimentação, tudo isso. O aporte inicial vai ser grande. Os alojamentos lá na Bélgica, alimentação, deslocamento, tudo isso a gente vai patrocinar. E todos os equipamentos também. Então, se a gente colocar tudo, são seis zeros. Então, é isso que eu posso falar. É mais de um milhão de reais nesse primeiro ano. É óbvio que tem investimentos que a gente vai fazer no primeiro ano, que depois a tendência vai barateando. Por exemplo, tem que comprar carro lá na Europa. No segundo ano, a gente tem outros custos, mas nessa dimensão.
AB: E os garotos correm na Europa com o uniforme da equipe de Santos?
AM: Vale também dizer, óbvio, a Soul está entrando com a parte principal, mas também tem a Prefeitura de Santos junto. Ela vai pagar os atletas e também boa parte dos profissionais envolvidos. Tem outros patrocinadores da equipe santista que ajudam o projeto. Em 2025 nós vamos ter os dois times. O da Bélgica e o daqui. Os dois são Soul Cycles Santos. Inclusive, cinco garotos que não entraram entre os dez selecionados farão parte do nosso time nacional. E isso é até bom para quem está lá não acomodar muito.
AB: Onde fica o Vinicius Howe nessa estrutura, André? Ele continua no MTB?
AM: O plano era ele ter ficado seis meses na Europa. E isso serviu de alerta e muita conversa com todos os ciclistas nas duas semanas de training camp. Ir para a Europa parece um sonho. Mas é muito duro. O Vini desistiu no meio. Quando deu três meses ele quis voltar. Claro que eu fiquei chateado. Ele chegou a se inscrever no Soul Jovem, mas não quis fazer o processo seletivo. Então ele não está indo para o exterior por uma opção dele. Ele vai fazer parte da nossa equipe de Mountain Bike. Em 2025, serão três atletas e a gente não tem intenção de correr fora. Até por conta do ranking olímpico. Nos próximos anos, sim, esse intercâmbio, até usando a estrutura lá fora, será maior.
AB: A gente falou de ciclismo estrada, MTB, mas tem uma outra vertente que talvez a elite ainda não seja o principal destaque mas é um mercado muito importante que é o Gravel. Qual prateleira ele ocupa hoje no contexto da Soul?
AM: O Gravel é a minha paixão. Óbvio, é uma modalidade que está começando aqui no Brasil. Lá fora já está mais adiantado, principalmente, nos Estados Unidos. Esse ano, nós já fomos patrocinadores de cinco eventos. Eu sou parceiro do Juliano [Rider]. A figurinha carimbada no Gravel. A gente tem o Gravelland e ano que vem nós vamos estar junto de novo. E vai ter a etapa da Copa do Mundo de Gravel aqui no quintal de casa, em Camburiú/SP, que é com outro Juliano [Salvadori]. Eu já avisei ao Claudio Diegues, que eu quero botar essa molecada para a gente correr o Mundial. Eu vou correr também. Pode ter certeza que a Soul e a Seeker vão estar em peso.
Leia também: “O Gravel é a bola da vez”, com Juliano Salvadori
AB: André, tanto no projeto da Soul Jovem quanto você falando das bicicleta, do modo de construção me vem a cabeça de que é algo que te enche muito prazer. A gente pode dizer que tanto a Soul quanto a Soul Jovem existem desse seu entusiasmo?
AM: Sim, se eu fosse falar da minha história agora ia demorar muito tempo. Eu tenho uns 25 anos de empresa. A bike caiu dentro da operação eu fui gostando. E eu posso dizer hoje que realmente eu tenho prazer no trabalho. Eu gosto demais do produto bicicleta, e assim, como um consumidor, acho que sou um cara exigente. Quero andar numa bicicleta da minha marca. Eu não vou admitir eu andar num produto que seja inferior a qualquer outra. Tem que ser igual. É óbvio que tem gente aí que vai falar não dá pra comparar com outra marca. Pra mim é puro marketing. Vem experimente uma Soul e depois me responda se nós estamos a altura (…) Eu penso que a minha empresa tem um teto, eu digo um teto para crescer. A gente quer ser realmente uma grife. Mas não uma grife impossível de você adquirir, de você ter. E é isso mesmo, eu tento, na medida do possível, incutir isso, acho que é a minha principal tarefa dentro da empresa, é incutir nas pessoas essa vontade, vou usar a tua palavra, esse tesão que eu tenho pelo produto, pelo negócio, por tudo que envolve. Eles têm que sentir isso, se eles sentirem isso, daqui a 50 anos, eu não vou estar aqui, alguns deles não vão estar aqui, mas a empresa, a marca vai continuar com a mesma energia. E é isso que a gente está tentando construir. Eu espero que outras marcas possam ter iniciativas parecidas, porque é só assim que a gente vai fazer crescer. Sozinho a gente não vai conseguir muita coisa. Se mais gente fizer, eu acho que a gente consegue mais. Espero que essa nossa iniciativa inspire outros. Não digo o mesmo caminho, mas ações que possam conduzir o mercado para um caminho melhor. Muito obrigado.
OUÇA O PODCAST COM A ENTREVISTA COMPLETA
Eu ha um ano atrás comecei sozinho a construção de um bike park para as modalidades de XCO e XCC em minha propriedade , fiz uma pista de XCO de 1.450 metros e comecei a de XCC de 4.200 metros , procurei parcerias mas no Brasil somente o futebol tem parceira e dinheiro , estou parando o projeto temporariamente até que consiga algum investimento para continuar o projeto.
Que você encontre motivação – e apoio – para continuar, João!