Protestos Pró-Palestina afetam provas de ciclismo
Em maio, as bandeiras da Palestina já eram notadas em todas as etapas do Giro d’Italia. Em Nápoles, um homem entrou na pista e quase causou um acidente. No Tour de France foi similar. Bandeiras por todo lado e uma frustrada tentativa de ganhar holofotes interferindo na prova em Toulouse. Entretanto, a coisa escalou sensivelmente neste segundo semestre e os movimentos pró-Palestina causaram impacto e tensão nas corridas, principalmente na Vuelta a España.

Um manifestante foi retirado por um diretor de prova no Tour de France
Três etapas foram encurtadas – incluindo o contrarrelógio desta quinta-feira (11/9) – afetando diretamente na disputa. Ainda persistem muitas dúvidas sobre o final da grande volta em Madri. Para muitos, os protestos “estragaram o evento”, mesmo que tenham o propósito de trazer luz ao que acontece em Gaza.
Ciclistas e equipes se sentem inseguros do que pode acontecer e, ao menos, dois competidores abandonaram a prova por conta de quedas oriundas desta tensão. A organização não consegue conter ou mesmo isolar as manifestações. Já não se pode mais garantir que são 100% pacíficas. Em busca de alternativas, 950 policiais reforçam o percurso nessa reta final.

Em Bilbao, na Espanha, o pelotão viveu o dia de maior tensão com os protestos
Disputado em estradas abertas, o ciclismo sempre foi palco de todo tipo de manifestação. Inclusive, nesta mesma semana uma prova na França foi interrompida por protestos políticos contra medidas austeras do governo local. Tantas outras vezes as provas foram paralisadas por causas ecológicas.
SITUAÇÃO AGRAVADA NA ESPANHA
A coisa se tornou maior, pois uma das principais equipes do pelotão atual carrega a bandeira e o nome de Israel, país que vive um conflito complexo e longevo com a Palestina. Atualmente Israel-Premier Tech, o time volta a ter status World Tour no próximo ano. Mesmo não sendo bancado pelo governo israelense, o time nasceu em 2015 com um propósito de fortalecer a imagem do país e chegou à primeira divisão com o nome Israel Start Up Nation, algo como “Israel Nação Empreendedora”, um lema que transcende o esporte israelense.
OS CICLISTAS NO CENTRO DE TUDO

João Almeida (esq) vs Jonas Vingegaard: protestos ofuscam disputa
O clima de preocupação tomou o pelotão e o líder da competição, o dinamarquês Jonas Vingegaard, se posicionou: “Para ser sincero, acho que todos nós sentimos que o que se passa aqui, com todas as pessoas que se têm manifestado, é uma forma de chamar atenção. Sentem que não há atenção suficiente, estão muito desesperados. Eu consigo entender”.
Seu rival direto, o português João Almeida reclama das interferências que os protestos causam nos eventos. Não apenas afetando a disputa, mas, principalmente, por “colocar os ciclistas em perigo”. Terceiro colocado na geral, o bicampeão olímpico Tom Pidcock declarou que essas ações não criam “simpatia pela causa dos manifestantes” e completou o que todos sentem: “não posso falar tudo que realmente penso. Ficaria em apuros”.
EQUIPE RESISTE E MUDA O NOME

A organização aumentou a segurança do time de licença israelense (MIGUEL RIOPA/AFP)
Depois de insistir veementemente não ter relação com os conflitos e sustentar sua presença no pelotão, a equipe Israel-Premier Tech foi se adaptando ao novo contexto. Primeiro, tirou do uniforme o nome “Israel”. Depois, pediu aos organizadores para não usarem o termo nas comunicações oficiais. Há uma possibilidade real de que a equipe mude sua nomenclatura para este final de temporada e, principalmente, para o próximo ciclo.
Ao mesmo tempo, o time vê a saída de sua grande estrela, o canadense Derek Gee e, todavia, do seu melhor nome na Vuelta 2025, o norte-americano Matt Riccitello. Não há uma conexão clara entre os fatos, mas em declaração recente, o medalhista olímpico dinamarquês Jakob Fulgsang admitiu que estava feliz em se aposentar e parar de usar uma Jersey com um “alvo” nas costas.
PALCO POLÍTICO E RESISTÊNCIA
A organização da Vuelta expressou várias vezes que a melhor solução teria sido a retirada voluntária da equipe Israel-Premier Tech da prova. Na prática, os diretores de prova não têm poderes para isso. O time resiste, pois quer evitar um efeito em cadeia desta decisão.

Mortes de civis são a principal motivação dos protestos (Dario Belingheri/Getty Images)
A ministra espanhola do Esporte, Pilar Alegría, também entrou na cena: “A questão é: isso deveria acontecer com Israel? Minha resposta é clara. Sim, deveria.” Ela defende que o mesmo rigor aplicado a equipes russas desde o início da guerra na Ucrânia fosse replicado no caso israelense, propondo a retirada do time da competição.
É a mesma opinião do ministro das Relações Exteriores, José Manuel Albares, que ressalta: “Essa não é uma decisão do governo espanhol, e sim da UCI. O governo não tem interferência na participação”. Porém, essa decisão sobre os russos, que fechou as portas da equipe Gazprom, não partiu da UCI, mas sim, do Comitê Olímpico Internacional (COI). Este, por sua vez, nunca anunciou medidas contra Israel, ao contrário, vetou o pleito palestino antes de #Paris2024
REFLEXOS NO CANADÁ

Uniforme da equipe removeu o nome Israel
Este final de semana, além da Vuelta, essa questão pode repercutir nas outras provas WorldTour, em Quebéc e Montreal, no Canadá. Por lá, a Israel-Premier Tech optou por competir com os uniformes não-identificados, omitindo marcas e símbolos oficiais para reduzir riscos. Essa autocensura institucional, contudo, foi um reflexo da internacionalização das mobilizações e do receio de que protestos pudessem tomar proporções maiores.
MUNDIAL EM RUANDA: OUTRO PROBLEMA

O Mundial em Ruanda vai reunir milhares de pessoas nas ruas de Kigali
Ainda na esteira do esporte e política não se misturam, o grande momento do ano também vive sob tensão. O inédito Mundial em Ruanda, entre os dias 21 e 28 de setembro sofreu com ameaças de boicote de inúmeros países em função do conflito na fronteira com o Congo. Onde, assim como em Gaza, milhares de civis estão sendo mortos diariamente. Em tese, os eventos não correm riscos de não acontecer.