Governo Federal recua e imposto de importação de bicicletas terá redução de 10%, saindo de 35 para 31,5%
Entenda por que alíquotas mais baixas são melhores para todos os segmentos do mercado de bicicletas
No último mês de fevereiro, o mercado de bicicletas teve uma conquista importante: o Diário Oficial da União publicou uma medida que define a volta da alíquota original do imposto de importação de bicicletas no Brasil, de 35% para 20%.
Menos de um mês depois, nesta quarta-feira (17/03) a decisão foi revogada pelo Gecex (Comitê Executivo de Gestão) da Camex (Câmara do Comércio Exterior) por pressão de senadores do Amazonas, mesmo com quase 90% de rejeição no site do Senado Federal. Com o vai e vem, a redução será de apenas 10%, saindo de 35% para 31,5%.
A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) considera essa decisão um retrocesso para a economia nacional. Nesta nota, a entidade aponta os motivos pelos quais se posiciona contra o cancelamento da medida que já havia sido anunciada.
NOTA AO MERCADO DE BICICLETAS
A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), que conta hoje com mais de 130 associados entre fabricantes e montadores, distribuidores, importadores e lojistas, é favorável a todas as medidas que ampliem o acesso de brasileiros e brasileiras a bicicletas melhores e mais baratas. Em linha com este princípio, reduzir a carga tributária do setor de bicicletas é um passo importante para tornar as bicicletas mais acessíveis à população.
Sem prejuízo aos argumentos elencados abaixo, a Aliança Bike, como é de conhecimento de todos, vem trabalhando incansavelmente pela redução de impostos de componentes que não são fabricados no Brasil, impactando positivamente toda a cadeia de montagem de bicicletas no país. Já conquistamos a redução de câmbios e cassetes e conquistaremos de 20 outros componentes, se tudo der certo.
A alíquota do imposto de importação aplicável às bicicletas inteiras é parte importante desta teia complexa de tributos e, por este motivo, a Aliança Bike vem a público listar algumas das razões pelas quais defende a medida publicada pelo governo federal e cancelada nesta quarta-feira:
1) A alíquota normal do Imposto de Importação de bicicletas aplicável no Mercosul é de 20%. Em 2011, o Brasil inseriu as bicicletas na sua Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul (LETEC) para aumentar unilateralmente esta alíquota para 35%, atendendo a um pedido de uma empresa. A inclusão de produtos na LETEC é uma medida temporária e excepcional. Ela gera distorções dentro do Mercosul. Neste caso, a diferença entre a alíquota aplicável no Brasil e nos demais países membros do bloco resultou em importações anuais de 4 milhões de bicicletas pelo Paraguai, um país que tem uma população de 7 milhões de habitantes. Ou seja, boa parte das bicicletas importadas pelo Paraguai têm o Brasil como destino de forma criminosa por meio de descaminho.
2) A alíquota de 35% atualmente aplicada pelo Brasil às bicicletas é a mais alta do mundo, sendo o limite máximo estabelecido pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e superior à aplicada a produtos supérfluos como bebidas alcoólicas e cigarros. Mesmo 20% já é uma alíquota mais alta do que a média mundial. No quadro abaixo, ilustramos as alíquotas médias aplicáveis às bicicletas nos principais mercados do mundo e em mercados comparáveis ao brasileiro em termos de desenvolvimento econômico:
País/bloco |
Tarifa média (8712.00) |
China |
14,4% |
Estados Unidos |
8% |
União Europeia |
14,5% |
África do Sul |
7,5% |
Argentina |
20% |
Índia |
20% |
México |
15% |
Já no quadro abaixo, ilustramos as tarifas aplicáveis no Brasil a outros produtos muito menos essenciais do que a bicicleta:
Produto |
NCM |
Tarifa |
Cerveja |
2203 |
20% |
Vinho |
2204 |
20% |
Uísque |
2208.30.20 |
20% |
Charuto |
2402.10.00 |
20% |
Cigarro |
2402.20.00 |
20% |
Cartas de jogar |
9504.40.00 |
20% |
3) Conforme demonstrado nos cálculos apresentados à CAMEX e resumidos nas tabelas abaixo, mesmo com uma alíquota de 20%, os produtores nacionais, especialmente os localizados em Manaus, continuam contando com um alta barreira tarifária e vantagens tributárias suficientes para sua proteção.
Nas duas tabelas abaixo, que já consideram a alíquota normal de 20%, assumimos que o valor da bicicleta acabada seria de R$ 230,00. No caso das bicicletas fabricadas no Brasil, consideramos que o valor das partes e peças importadas seria de R$ 100,00, o valor agregado pelas operações industriais realizadas no Brasil seria de mais R$ 100,00 e a margem de lucro do fabricante seria de R$ 30,00.
Conforme se verifica da tabela, se o preço das bicicletas antes de tributos for similar, a bicicleta produzida em Manaus chegará aos consumidores por um preço bastante inferior aos das bicicletas importadas e das produzidas em outros pontos do território nacional.
Estimativa de impostos na importação de partes e peças para industrialização ou de bicicletas acabadas para comercialização, elaboração própria
Empresas estabelecidas na Zona Franca de Manaus |
Empresas estabelecidas em outros pontos do País, não sujeitas ao SIMPLES |
Empresas estabelecidas em outros pontos do País, sujeitas ao SIMPLES |
Bicicletas importadas por empresas comerciais atacadistas |
|||||
NCM |
8714 |
8714 |
8714 |
8712 |
||||
Valor CIF (R$) |
100,00 |
100,00 |
100,00 |
230,00 |
||||
Imposto de Importação |
1,92% |
1,92 |
16% |
16,00 |
16% |
16,00 |
20% |
46,00 |
IPI |
0% |
– |
10% |
11,60 |
10% |
11,60 |
10% |
27,60 |
PIS/COFINS-importação |
0% |
– |
11,75% |
11,75 |
11,75% |
11,75 |
11,75% |
27,03 |
ICMS-importação |
0% |
– |
18% |
30,59 |
18% |
30,59 |
18% |
72,58 |
Desembolso total |
101,92 |
169,94 |
169,94 |
403,20 |
||||
Custo de importação |
101,92 |
116,00 |
169,94 |
303,60 |
||||
Tributos recuperáveis (créditos) |
– |
53,94 |
99,60 |
Estimativa de impostos na venda de bicicletas pelos industriais a empresas comerciais atacadistas, elaboração própria
Empresas estabelecidas na Zona Franca de Manaus |
Empresas estabelecidas em outros pontos do País, não sujeitas ao SIMPLES |
Empresas estabelecidas em outros pontos do País, sujeitas ao SIMPLES |
||||
NCM |
8712 |
8712 |
8712 |
|||
Valor agregado no País |
100,00 |
100,00 |
100,00 |
|||
Custo das peças importadas somado ao valor agregado no país |
201,92 |
216,00 |
269,94 |
|||
Contrapartidas |
3% |
7,44 |
0% |
– |
0% |
– |
Margem de lucro |
30,00 |
30,00 |
30,00 |
|||
Preço de venda antes dos tributos |
239,36 |
246,00 |
299,94 |
|||
ICMS sobre a venda |
0% |
– |
18% |
60,87 |
4,45% |
13,35 |
PIS/COFINS sobre a venda |
3,65% |
8,74 |
9,25% |
22,76 |
7,66% |
22,98 |
IPI sobre a venda |
0% |
– |
10% |
32,96 |
||
Desembolso total |
248,10 |
362,58 |
336,26 |
|||
Custo de aquisição |
239,36 |
278,96 |
305,16 |
|||
Tributos recuperáveis (créditos) |
8,74 |
83,62 |
9,25% |
31,10 |
O quadro acima demonstra com clareza que as vantagens tributárias das empresas do Polo Industrial de Manaus são muito significativas e que a exclusão das bicicletas da LETEC não inviabilizaria as atividades das referidas empresas, visto que as bicicletas importadas continuariam sujeitas a uma carga tributária bastante superior à aplicável às bicicleta nacionais.
4) Mesmo com uma alíquota de 20%, aplicável antes de 2011, a importação de bicicletas inteiras nunca representou uma “ameaça” para a indústria nacional. Antes da elevação da alíquota para 35%, o maior volume de importação de bicicletas inteiras foi de pouco mais de 370 mil unidades em 2011. Sendo que, no mesmo ano, o Brasil produziu 4,65 milhões de bicicletas. Ou seja, o volume de bicicletas importadas não chegou sequer a superar 8% do volume total de bicicletas produzidas no país.
5) Apesar de a alíquota do Imposto de Importação ter permanecido elevada de forma excepcional por 10 anos, a empresa que pleiteou esta medida e seus pares localizados em Manaus não se tornaram mais competitivos e não desenvolveram tecnologia.
Em 2011, o Brasil produziu 4,65 milhões de bicicletas e em 2019 produziu 3,8 milhões, ou seja, 850 mil unidades a menos. Ainda em 2011, o Brasil exportou 3 mil bicicletas e, em 2019, foram exportadas 22 mil unidades, sendo estas exportações concentradas por produtores localizados em São Paulo (48%), Minas Gerais (26%), Santa Catarina (12%) e Paraná (11%). O Polo Industrial de Manaus não exportou nenhuma bicicleta. O PPB (Processo Produtivo Básico) de bicicletas foi afrouxado para permitir a importação dos principais componentes que exigem desenvolvimento de tecnologia.
Ou seja, se a elevação da alíquota servisse para permitir o desenvolvimento da competitividade das empresas sediadas em Manaus, elas teriam passado a exportar e a produzir componentes de alto valor agregado, aumentando significativamente o número de empregos gerados, o que não ocorreu.
6) A fake news dos empregos. Foram veiculadas informações de que a medida do governo federal iria acarretar em uma perda de mais de 4 mil empregos no Polo Industrial de Manaus (PIM). Alguns falaram até em 30 mil empregos! Entretanto, de acordo com dados da RAIS/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (Ministério da Economia), as empresas de bicicletas localizadas no PIM geram 1.004 empregos diretos dos 8.000 existentes na indústria de bicicletas espalhada pelo país. Apenas o Estado de SP gera 3.781 empregos diretos na atividade de indústria de bicicletas.
Não há nenhum elemento probatório que indique que o PIM demitiria as mil pessoas contratadas atualmente. Mesmo com a alíquota um pouco mais justa, o Polo de Manaus continuará importando com imposto de importação de 1,92%, continuará com isenção de IPI e de outros tributos, permanecendo com enorme vantagem competitiva sobre as demais empresas sediadas no restante do país. A alíquota excessiva de 35%, portanto, serve apenas para aumentar o lucro de algumas poucas empresas em detrimento do acesso da população a este produto essencial que é a bicicleta.
7) Ainda sobre empregos, quem se beneficiaria diretamente com bicicletas mais acessíveis à população são as lojas de bicicletas. Estas representam o setor que mais emprega no Brasil, com 15 mil empregos diretos. Ou seja, a medida publicada pelo governo federal vai gerar mais empregos, exatamente onde mais se emprega hoje.
8) Bicicletas mais baratas para o consumidor final. Esse é o principal objetivo da medida, tornar as bicicletas mais acessíveis aos brasileiros e estimular o consumo e o uso delas. Em consulta aos associados da Aliança Bike, a volta da alíquota para o patamar original de 20% representará uma redução de pelo menos 11% no preço final da bicicleta.
Faixas de consumo |
Utilização |
Economia sentida pelos consumidores |
Classes C, D e E |
Mobilidade e entregadores |
Economia de R$ 110,00 em uma bike de R$ 1 mil |
Classes A e B |
Mobilidade, passeio e lazer |
Economia de R$ 440,00 em uma bike de R$ 4 mil |
Atletas e Ciclistas Amadores |
Esporte e lazer |
Economia de R$ 880,00 a R$ 1.650 em bikes que variam de R$ 8 mil a R$ 15 mil |
Atletas e Ciclistas Profissionais |
Competição |
Economia de R$ 6.600,00 em bikes de R$ 60 mil. |
9) Taxa de câmbio (dólar) com impacto negativo para o setor. Como se não bastasse a alíquota mais alta do mundo de 35% de imposto de importação, o mercado como um todo tem sofrido com a alta do dólar. Considerando que mais de 90% de todos os componentes de uma bicicleta são importados, a alta do dólar impacta diretamente no preço para o consumidor final, pois importadores e montadores são obrigados a repassar aos consumidores a diferença de câmbio. A volta da TEC de 35% para 20%, sua alíquota original, seria uma forma de compensar parcialmente os efeitos negativos da alta do dólar para o setor de bicicletas. Não obstante, o próprio frete marítimo, desde o início da pandemia, quintuplicou de valor, o que também tem afetado negativamente as importações.
Por todos os motivos citados, a Aliança Bike se posiciona reiteradamente a favor de toda e qualquer medida que torne o preço da bicicleta mais acessível à população brasileira. A Aliança Bike acredita que as políticas tributárias precisam ser justas para empresas localizadas em todas as partes do Brasil.