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“O Gravel é a bola da vez. Um novo mercado para todo mundo”

Uma conversa com Juliano Salvadori organizador do UCI Granfondo e da inédita etapa do UCI Gravel World Series

Não dá para negar! Os eventos com selo internacional UCI estão retornando, aos poucos, ao calendário do ciclismo brasileiro. Estrada, MTB, Granfondo e, em 2025, teremos a estreia do Gravel. Uma peça importante desse movimento é o catarinense Juliano Salvadori. Ex-ciclista e triatleta profissional, ele vive um longo processo de transição entre a prática e a gestão esportiva.

Dentro do guarda-chuva da sua marca, a Riders, há uma bike shop, uma assessoria esportiva e uma empresa de eventos. É da Riders Sports & Experience as licenças para o UCI Granfondo Brasil e da primeira etapa brasileira do UCI Gravel World Series, que será realizada em março de 2025.

A Aliança Bike conversou com Juliano Salvadori sobre seu modelo de negócio, como uma grave doença mudou sua história e a retomada dos eventos internacionais no país, criando opções fora do eixo Rio/SP.

De quebra, depois organizar três eventos UCI America Tour em 2023, o catarinense falou sobre o projeto de retomada da tradicional Volta de Santa Catarina, um dos ícones do ciclismo nacional. Confira.

Bicicleta News: Vamos começar por você. Qual a sua história com a bicicleta?

Juliano Salvadori: Eu sou natural de Porto União, Santa Catarina, extremo norte catarinense. Cresci vendo a volta de Santa Catarina passar atrás da rua da minha casa. Então, a bicicleta é algo assim, desde criança, né? Eu sou de 1982. Vi o auge da Estrada, fiz BMX, peguei o comecinho do MTB. Depois fui para o Triathlon, onde competi por mais de 15 anos. Aliás, foi quando o Ironman Brasil veio para Santa Catarina que eu comecei a participar da organização dos eventos.

BN: Faz tempo, então. O primeiro Ironman Floripa foi em 2001!

JS: Sim. São mais de vinte anos nos bastidores. Por ter sido triatleta, minha esposa também. A Federação Catarinense de Triathlon me convidou para ser staff. Acabei me tornando um dos coordenadores na parte de largada da elite e coordenador de natação. Depois, por gostar de moto, fui para a escolta. Ia junto com a Polícia Rodoviária, fiz curso de escolta, tudo. São 15 anos fazendo escoltas das provas em Santa Catarina. Não apenas o Iron… Desafio Márcio May, Serra do Rio do Rastro, Fast Triathlon. Regionalmente, junto com um colega, nós montamos uma estrutura de grade, cone, fechamento de estrada para eventos. Fomos para a gestão de operação, montagem de arena. Em cada passo desses, eu agreguei muita experiência. E, por outro lado, eu nunca deixei de participar de competições. Tudo que nascia novo, eu ia conhecer… L’Étape, Granfondo NY. Aqui no Sul, vamos muito aos eventos no Uruguai.

BN: Saltar de um prestador de serviço para ser o organizador foi um caminho natural, então?

JS: Olha, eu relutei muito (risos)! Essa não era minha atividade principal. Eu trabalhava numa empresa de engenharia automotiva. Tanto que eu fui trabalhar na Itália, fiquei oito anos lá. Depois, na Ásia. Voltava ao Brasil para missões pontuais, como o trabalho no Ironman. Só que eu fiquei doente. Em 2013, mais ou menos, descobri algo grave, chamado Doença de Chron. Ela tinha origem emocional e eu lembro de uma conversa com meu pai: ‘Larga isso. Vai fazer algo que você realmente gosta’. Então, eu larguei emprego e sai da sociedade na empresa de eventos também. Para viver o que eu gostava, abri a Riders, um ‘bike café’ e, depois virou uma loja aqui, em Camboriú. O plano ia bem até meu vizinho começar a falar no meu ouvido para voltar (risos).

BN: Como assim?

JS: O Ricardo [Ziehlsdorff], da Corre Brasil [que organiza a Maratona Internacional de Balneário, Maratona de Floripa, Meia de Floripa etc] é meu vizinho. E tínhamos uma amizade e um relacionamento profissional. Desde que eu abri a loja, ele me pilhava para fazer provas de bicicleta. E eu sempre negava. Durou mais de ano isso. Um dia, eu retruquei: ‘prova eu não faço, mas vamos fazer um Festival? Colocar banda, DJ, Food Truck, família’…Ele topou, o evento bombou, cara. Bombou, bombado. Hoje é uma ‘Stage Race’ de três dias já consolidada no MTB nacional. Só que começaram as demandas por outros tipos de eventos.

riders stage race

Riders Stage Race é uma prova de MTB disputada desde 2017

BN: Foi quando você começou a sondar as provas amadores de ciclismo de estrada?

JS: Exato. O ciclismo de estrada sempre foi muito importante para Santa Catarina. Grandes nomes, grandes histórias. Era um vazio que precisava ser preenchido. Eu falei com muita gente. Muitos não acreditaram no potencial catarinense. Outros, nem respondiam. E eu não queria criar algo do zero. Queria trazer para cá as coisas que eu via funcionar. Então eu queria um selo. Como é o Ironman ou o L’Étape.

BN: E nisso surgiu o longo namoro com a UCI?

JS: O Brasil tinha um histórico negativo na UCI, né? Eu batalhei um ano e meio para conseguir ter a confirmação da licença do UCI Granfondo. Levei outro ano e meio para realizar a 1ª edição. O pessoal falava assim: “Olha, você sabe que o Brasil tem um problemaço jurídico com um organizador que vendeu novecentas inscrições e não entregou a prova?”. E eu insistia para eles olharem meu trabalho. Que era totalmente diferente. E sem fantasias. Meu plano era uma prova para 500 pessoas. Só depois de mostrar todo nosso lastro que eles me permitiram fazer a apresentação dos percursos, apresentei o Vale Europeu, Pomerode com a base de Blumenau do lado, Aeroporto próximo e tudo mais.

BN: Como foi sair de um universo teoricamente mais confortável do MTB e encarar toda a logística de uma prova de Estrada?

JS: Olha que curioso, falei com a minha esposa hoje: cuidar do percurso do Granfondo de 120 km em rodovia é muito mais tranquilo do que cuidar de três dias de trilhas e percursos de mountain bike. Acessibilidade, cobertura de celular, deslocamento de staff, equipe e sinalização. Então, para mim, com a minha experiência, a operação de asfalto é muito mais tranquila. E eu já vivia um pouco dos dois cenários. Porque eu fazia a operação das provas de triatlo, que são no asfalto. Eu fiz as provas do GP Murilo Fischer. Três edições. Foi a única prova até hoje que saiu na BR-Centro, com o aval da Polícia Rodoviária, porque eu sempre fui muito…O nosso jargão é o básico bem-feito. Se a PR fala assim, tem que ter noventa staffs, quatrocentos cones, o horário é esse. Eu simplesmente vou lá e cumpro aquilo. O básico bem-feito (risos).

O Gravel é uma bike nova que ninguém tem. É um pneu diferente, é roupa diferente, é capacete diferente, é sapatilha diferente. Abre-se um novo nicho de mercado para todo mundo.

BN: Em março você vai para o meio-termo, com a UCI Gravel World Series?

JS: A sementinha do Gravel foi plantada em SC com a prova da Redbull. Não participei da organização. Eu fiz os 300km Gravel naquele dia. Por ter no meu portfólio o GranFondo, a UCI me deu prioridade na licença Gravel também. Eu achava, entretanto, que não tinha gente para uma prova dessas. Não se pagava. No final do ano passado, eles me chamaram e falaram, ‘olha, primeiro mundial Gravel deu 500 pessoas. No segundo, 2.200 inscritos. Está crescendo muito. Você quer fazer?’ Aí eu falei, poxa, não tenho grana, a licença é muito cara. Passou. Em março eles me consultaram mais uma vez. ‘Ou você compra ou você declina. Outro vai pegar’. Eu falei, não, então agora a licença é minha. Porque aí já estou olhando lá para frente, né? Eu tenho licença para os próximos seis anos.

Se o pessoal do marketing não enxergar que o ciclismo está acontecendo fora dos grandes centros, eles vão ficar fora do negócio. O mercado está acontecendo em outros lugares.

BN: O Gravel é o novo?

JS: Então, o Gravel é a bola da vez. O Mundial desse ano teve 2.800 participantes na final. Ele superou o Ciclismo de Estrada na Europa e nos Estados Unidos em número de participantes. Então você vê a crescente da modalidade. A passos largos. E como ela é financeiramente acessível, ela vai crescer aqui no Brasil. O Gravel é uma bike nova que ninguém tem. É um pneu diferente, é roupa diferente, é capacete diferente, é sapatilha diferente. Abre-se um novo nicho de mercado para todo mundo. Então, as marcas estão vindo com força para cima disso, entende?

O Brasil vai sediar pela primeira vez uma etapa do UCI Gravel World Series

O Brasil vai sediar pela primeira vez uma etapa do UCI Gravel World Series

BN: Ano passado vocês encararam um outro tipo de desafio, que foi fazer as provas elite. Como é que foi essa experiência com o UCI America Tour?

JS: Muito legal, muito dinâmica. A gente está trazendo novidades para o ano que vem. Aguardem. Teremos boas novidades.

Com a entrega que tivemos nos últimos anos, hoje eu não tenho nenhum problema de fechamento de rodovia, dessas coisas, nada. O governo apoia muito o esporte, apoia muito o ciclismo.

BN: Não trabalhamos com suspense. Pode contar.

JS: (risos) Assim, cara, não tem problema. A gente está trabalhando nos bastidores para resgatar a Volta Internacional de Santa Catarina de ciclismo de estrada Elite. Com grandes equipes, seis etapas. Está tudo pronto, só falta…um detalhe. A gente só põe a prova na pista com o dinheiro garantido de realização, né? Não conta com a esperança. E se for para trazer a Volta de Santa Catarina de volta, ela tem que ser em grande estilo. Tem que estar na TV aberta, igual fizemos no Granfondo. Padrão Tour de France, largada ao meio-dia, aquele esquema todo. As clássicas do ano passado, nós consideramos como um projeto piloto e foi animador.

Volta de Santa Catarina não é realizada desde 2016

Volta de Santa Catarina não é realizada desde 2016

BN: Como foi esse retorno? Primeiro, o institucional, com quem você se relacionou. Segundo, do mercado em si, de parar em pé o projeto?
JS:
A aceitação do governo é muito grande aqui em Santa Catarina. O governo apoia muito o esporte, apoia muito o ciclismo. Então, com a entrega que a gente teve nos últimos anos, hoje eu não tenho nenhum problema de fechamento de rodovia, dessas coisas, nada. Aí são dois panoramas. O Granfondo eu vejo como business. A Volta de Santa Catarina, UCI America Tour é uma coisa institucional. E, principalmente, não depende de marcas de bicicleta. O mercado atualmente não tem mais visão de grandes investimentos. É todo mundo tentando trabalhar no pingadinho. E por isso você não vê grandes marcas exclusivas no meu evento. Aquele formato “eu te dou duzentas camisetas, te mando aí o fulano de tal”, eu aprendi da pior maneira que sai muito caro. Prefiro não ter. E para volta de Santa Catarina, como a gente não pode vender inscrição, patrocínio, nada, a gente conta com dinheiro institucional. Então a gente está trabalhando junto ao Ministério do Esporte, Governo do Estado, Governo Federal para levantar os custos básicos de estrutura de arena e fazer o evento virar.

BN: No fim das contas, esse esforço pela Volta de Santa Catarina traz a identidade local, que é um pouco da história do ciclismo brasileiro. Há uma aura nessas estradas.

JS: Muitos nomes do ciclismo nacional se construíram em cima da Volta. Então, é isso que a gente quer resgatar, sabe? Sobretudo, esse é o maior ponto. A Volta de Santa Catarina é um compromisso moral, que a Corre Brasil, o Ricardo, que é o meu sócio nesse projeto, está capitaneando. A Confederação Brasileira está sendo bem parceira, acessível, até porque a Volta só acontece com a CBC, né? O Vasconcelos [presidente da CBC] foi a ponte em 2023, fez um trabalho muito bacana. A gente cuidou da parte de operação, arena e percurso. A parte de equipes, arbitragem, tudo, foi tudo a cargo da Confederação Brasileira. Conseguimos juntos fazer uma entrega fantástica, a equipe do Barbosa, todo o pessoal que veio pra cá, não vou citar nomes porque são tantos, né? A entrega foi impecável da CBC.

Juliano, ao centro, com parte do time de apoio no UCI Granfondo Brasil

BN: Qual é o melhor exemplo que Santa Catarina dá, tendo uma prova de etapas do mountain bike, tendo agora uma prova do Gravel, tendo uma prova Granfondo Amadora e a perspectiva de uma prova UCI no futuro próximo. Qual o caminho que os outros deveriam seguir?

JS: Eu vou dizer o seguinte, agora eu vou entrar num ponto que é uma tecla que eu bato há muitos anos e muitos não gostam de ouvir isso. As pessoas que estão no marketing das grandes marcas de bike, noventa por cento delas estão na capital. E acham que só existe marketing no eixo Rio-São Paulo-BH. Eles não conseguem nem enxergar que o Ironman Floripa é aqui. Eles esquecem que Santa Catarina sempre flutua entre o segundo ou terceiro maior mercado de bicicleta do Brasil. O faturamento deles está aqui, as indústrias, os depósitos. Além disso, as pessoas não entenderam que lá fora o Tour de France, o Giro d’Italia, as provas estão pegando trechos de Gravel. Não é porque o Gravel está em alta. É porque não se consegue mais fechar rodovia em grandes centros. Me diz uma grande prova de rua que tem em grandes cidades hoje no Brasil e no mundo? Eu participei dos últimos dois mundiais de Estrada UCI Granfondo. É interior e área rural. Não tem como. Se o pessoal do marketing não enxergar que o ciclismo está acontecendo fora dos grandes centros, eles vão ficar fora do negócio. O mercado está acontecendo em outros lugares.

BN: E o público? Seu evento é atendido pela demanda do Sul? Ou o seu desejo é que ele se torne nacional?

JS: Nacional. Vamos dizer assim, dez por cento dos participantes são de Santa Catarina. Entretanto, o pessoal está vindo de fora. Mas aqui também está crescendo. Só para ilustrar, a gente fez um teste e abriu por 24 horas um lote especial de inscrição para medir a febre, na segunda-feira pós-prova. Vendemos duzentas inscrições. A maior parte aqui em Santa Catarina. A gente está criando um fluxo de público. O catarinense não tinha mais prova de Road, em resumo, pouca gente andava. Para você ter uma ideia, eu tenho o grupo de bike da loja. Quando a gente vai para a prova de MTB vai umas trinta e poucas pessoas. Eu levei três clientes no Granfondo. Só que agora o pessoal está comprando o Road para ir ao Granfondo. E, consequentemente, está comprando Gravel para ir no UCI Gravel.

BN: Para quem não queria mais trabalhar com o evento você já tem um belo leque. Por fim, onde você se enxerga no ciclismo nos próximos anos?

JS: Vamos dizer assim, profissionalmente, como business, o meu sonho de consumo é uma consolidação grande do Granfondo Brasil, como o L’Étape tem hoje. Uma construção do Gravel para chegar a um nível similar, como business. E ponto final. Só que, como apaixonado pelo ciclismo que eu sou, nasci e cresci vendo a Volta de Santa Catarina. O retorno dela, vamos dizer assim, é um legado que a gente quer trazer para as próximas gerações do ciclismo que estão se fortalecendo hoje. Ter um espaço para esse pessoal que está na Júnior, sobretudo, que está na Sub-23 crescer no mundo. Assim como as grandes lendas do ciclismo, que fizeram história no Brasil correndo em nossas estradas. Que essa nova geração tenha a mesma oportunidade.

 

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Leandro Bittar

Leandro Bittar é jornalista e coordena o time de Comunicação da Aliança Bike

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