Coragem, watts e muita grana
O ciclismo é feito de suor e perseverança. Mas também dinheiro. Muito dinheiro. Neste domingo, tudo caminha para a UAE vencer pela terceira o Tour de France com o esloveno Tadej Pogacar. É o time com maior orçamento do pelotão e o ciclista de maior salário. Cerca de €60 milhões ao todo, sendo €8 milhões dedicados à grande estrela do esporte atual.
O dinheiro e as vitórias sempre andaram juntos no ciclismo. Ainda mais no Tour.
Na década passada, a equipe de maior investimento também foi a mais vitoriosa. A Sky (hoje INEOS) venceu sete dos dez Tour de France (com Bradley Wiggins, Chris Froome 4x, Geraint Thomas e Egan Bernal). A esquadra galáctica tinha um orçamento de €30 milhões por ano.
Em uma conta simples, a UAE trabalha com o dobro do dinheiro que dispunha a Sky, que por sua vez já dobrava a média das equipes concorrentes. Desde que o World Tour foi criado, em 2005, as equipes mais ricas trabalhavam com um budget anual de €15 milhões. O site Escape mostrou que a média subiu 40% nos últimos quatro anos.

Projeção do orçamento médio das equipes World Tour (Escape Colletive)
Muito dinheiro (para poucos)
Segundo um relatório da UCI (União Ciclística Internacional), as 18 equipes WT masculinas somadas reúnem 600 milhões de euros. Se fosse repartido igual, seria algo em torno de 33 milhões para cada time. Na planilha de custos: 30 ciclistas, estafes, ônibus, carros, sedes, bases logísticas…e muitos outros custos de desenvolvimento, como os treinamentos em altitude.

Os salários representam maior fatia do orçamento, mas super equipes refletem grande estrutura logística
Os custos de um time profissional disparam tão rápidos quanto os ataques de Tadej Pogacar nas montanhas. Isso tem criado um grande impasse. É necessário buscar mais dinheiro para sustentar esse espetáculo e ser competitivo. Ou você entra para as super equipes ou você pode fechar as portas.
E, no ciclismo, o dinheiro tem apenas um caminho: o naming right da equipe. Cada time é uma licença. E o dono dela pode colocar o nome de patrocinadores por um período ou pode ser um mecena-proprietário da licença. Normalmente, é a soma dos dois casos. Veja a própria UAE. Uma licença pertencente ao Sheikh Tahnoun bin Zayed Al Nahyan, que divulga seu país e empresas estatais ou pertencentes aos seus fundos de investimentos, como a Emirates, a XRG, a G42 e até mesmo a marca de bicicletas Colnago. Vários nomes de um mesmo pote.
O ciclismo é um esporte onde as equipes não recebem direitos de imagem, diferente do futebol, por exemplo. 87% do orçamento vem dos naming rights
A fartura do time dos Emirados Árabes, entretanto, não jorra da mesma forma para os outros times. Mesmo aqueles com patrocínios estatais como Astana, Bahrein, Alula (Árabia Saudita). Eles acabam compondo o orçamento com outros parceiros. E aqui tanto faz a ordem das coisas. Se a estatal Astana recebeu aporte da empresa de bicicletas chinesa XDS ou se o mecena Gerry Ryan da Jayco ganhou um apoio dos árabes, por exemplo.
Equipes buscam parceiros
Os times mais tradicionais, principalmente, os franceses e belgas, sofrem para se manter competitivos. A maiorira trabalha com orçamentos que não alcançam 30% quiçá 40% do valor da UAE. Os italianos já não possuem um time World Tour há alguns anos.
A Cofidis, um a empresa de crédito ao consumidor, é o patrocinador mais antigo do pelotão World Tour. Dá nome ao time francês desde 1997. Seu diretor, o francês Cedric Vasseur, afirmou que ao menos 15 das equipes da primeira divisão estão em busca de mais dinheiro durante este Tour de France.
A tradicional equipe espanhola Movistar, bancada pela empresa de telefonia local busca um segundo “nome”. Mesmo objetivo da Alpecin, de Mathieu Van der Poel, que não terá o aporte da Deceuninck em 2026. A INEOS, que um dia foi o time mais rico do pelotão, ganhou um reforço importante da Total Energies antes da volta francesa.
Criatividade e Fusões
Quem não encontra apoio, busca alternativas. Essa semana foi especulada uma possível fusão entre a Intermarché e a Lotto. Ambas com licença para a primeira divisão na temporada 2026. Falta dinheiro para manter os principais nomes do time, como o eritreu Bini Girmay, camisa verde do Tour de France no ano passado. E, principalmente, para formar ao seu redor um time competitivo. Os dirigentes dos dois clubes chegaram a assinar uma carta de intenções. Mas não dá para imaginar que esse encontro seria mais do que uma mera sobrevivência. E o efeito colateral? Muita gente desempregada.

Por orçamento, Bini Girmay pode ficar sem equipe em 2026 (Foto Divulgação)
Mais otimista é a notícia que vem da França, com a Decathlon – rede de lojas de artigos esportivos – assumindo o controle da tradicional equipe francesa na qual ela já tinha o patrocínio principal desde o ano passado. Com ela, um novo co-patrocinador, a empresa de transportes marítimos CMA CGM e o sonho de um time francês capaz de encarar os super-times. E o orçamento? Algo em torno de €45 milhões.
A Decathlon não vai bater de frente com a grana da UAE, mas para coloca-la ao nível de equipes como a Visma | Lease a Bike, a Red Bull-Bora Hansgrohe e a Lidl-Trek.
Interessante neste modelo francês é o patrocinador tomar o controle da licença e gerenciar os bastidores do time. Algo que a EF Education e a Red Bull fizeram nos últimos anos. Esse formato abre uma porta para gestões mais profissionais e podem atrair mais a confiança de marcas fora da bolha do ciclismo, cada vez menos capazes de sustentar esse nível de investimento anual.
Onde isso vai parar?
No World Tour não existe um limite orçamentário ou de salários. Essa bolha cresce e estrangula a sobrevida também dos times de segunda (PRO) e terceira divisão (Continentais UCI).
Apesar do interesse das marcas em se associar ao ciclismo, superando a mancha recente do doping, todas elas querem chegar ao esporte com uma ambição, vencer o Tour de France. Elas querem estar associadas aos melhores. E isso custa caro. Até onde isso vai? Teremos um ciclismo melhor ou uma bolha estourada? Ninguém ainda sabe dizer.
Se você achou interessante esse assunto, recomendo esse texto sobre a gestão de cada equipe World Tour, quem manda e de onde vem o dinheiro que as financiam.